A Fecundidade de Deus

Homilia na de D. José Policarpo na Peregrinação Internacional de Fátima Santuário de Fátima, 13 de Outubro de 2003 Queridos Peregrinos, 1. Aos pés de Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, contemplando e louvando o Senhor pelo dom da sua maternidade, em que todos renascemos para a vida nova, segundo o Espírito, proponho-me meditar, convosco, sobre a fecundidade de Deus. Toda a acção transformadora do Espírito Santo, nos corações e na história, toda a graça da salvação, concretizada em dinamismos de vida e de comunhão, a edificação da Igreja como Povo novo do Senhor e a sua fecundidade sacramental, a própria ressurreição de Jesus, são manifestações da fecundidade do amor divino. Deus é fecundo porque é Amor. Ama sempre e o Seu amor nunca é estéril. A vida acontece, participação na própria vida divina, porque Deus ama e as pessoas se deixam amar por Ele. Na História da Salvação, a primeira concretização deste amor fecundo de Deus é a Sua Palavra. Deus fala-nos porque nos ama, porque tem para nós um desígnio de amor. E a Sua Palavra é fecunda e criadora, gera vida naqueles que a acolhem. Já no Antigo Testamento a certeza desta fecundidade da Palavra de Deus faz parte das certezas da fé de Israel. Ouçamos o testemunho do Profeta Isaías: “Assim como a chuva e a neve descem dos Céus e não voltam lá sem ter regado a terra, a ter fecundado e feito germinar (…) assim a Palavra que sai da minha boca não volta a Mim sem resultado, sem ter realizado o que Eu queria e cumprido a sua missão” (Is. 55, 10-11). Na plenitude dos tempos é esta Palavra de Deus que fecunda Maria e o fruto do seu seio maternal é a própria Palavra eterna de Deus tornada Homem. A aceitação de Maria é um abandono à fecundidade da Palavra de Deus: “faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc. 1, 38). E que Palavra foi essa que Deus dirigiu a Maria e a fecundou? Foi uma Palavra de amor porque a Palavra de Deus é sempre uma declaração de amor. “Tu és a cheia de graça e o Senhor está contigo” (Lc. 1, 28). Ou seja: tu és a amada de Deus, Ele vive contigo uma comunhão de amor. Depois desta declaração de que Maria é a amada de Deus, o Anjo Gabriel pode anunciar-lhe que, também nela, o amor de Deus é fecundo: “encontraste graça diante de Deus, conceberás e darás à luz um Filho” (Lc. 1, 30-31). Ou seja: Deus está a viver uma profunda comunhão de amor contigo e esse amor vai ser fecundo em ti. É bom tomarmos consciência de que a fecundidade da Palavra de Deus em Maria, não é um caso inaudito e único. Nela acontece o que Deus deseja desde a criação do mundo: que a Sua Palavra seja acolhida e seja fecunda no coração dos crentes e no seio do Seu Povo. Revelou-o continuamente o Senhor, pregaram-no os Profetas, desejaram-no os justos, e rejeitou-o, tantas vezes, um povo infiel, de coração duro, ferindo, com essa recusa, o coração de Deus. O que é único no acolhimento que Maria faz da Palavra é o fruto do seu ventre, a encarnação da Palavra eterna de Deus. No seu Verbo, Deus diz a Palavra decisiva aos homens, e porque decisiva, definitiva. Mas fá-lo respeitando o ritmo da fecundidade da Sua Palavra naqueles que a acolhem. A fecundidade de Deus, no seio de Maria é o clímax, o ponto de chegada do desejo de Deus gerar a vida naqueles que O acolhem. Na maternidade de Maria inicia-se a fase decisiva da salvação, o ritmo definitivo da fecundidade de Deus. A Sua Palavra de amor dirigida aos homens, para que eles renasçam para a Vida, nunca mais será só palavras, mas a Palavra, sempre a mesma, expressando sempre a plenitude do amor de Deus, a pedir ser escutada e acolhida, para ser fecunda. Essa Palavra tornada carne humana, é gerada em Maria, é dita a partir de Maria, é o fruto bendito do seu ventre. Os Apóstolos proclamaram-na, a Igreja é sua serva, sem nunca poder esquecer que essa Palavra que gera em nós a vida, continua a ser fruto da fecundidade maternal de Maria. Ela é, Mãe fecunda, a fonte da graça, Mãe e modelo inspirador da Igreja. Todo o segredo da salvação está no acolhimento, pelos crentes, de Jesus Cristo, Palavra amorosa de Deus. E a fecundidade dessa Palavra far-nos-á nascer de novo, fazendo de nós filhos de Deus, como nos diz São João no início do seu Evangelho: “A todos aqueles que O receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, aqueles que acreditam no Seu Nome, que nem o sangue, nem o poder da carne, nem a vontade dos homens, mas só Deus gerou” (Jo. 1, 12-13). Naqueles que acolhem Jesus Cristo, na fé, o amor de Deus continua a ser fecundo. 2. Porque só o amor de Deus é fecundo, o Espírito Santo, o amor de Deus personificado, é o agente de toda a fecundidade de Deus na realização da salvação. Também foi assim na fecundidade maternal de Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra” (Lc. 1, 35). Começa aqui o ritmo definitivo da salvação: o dom do Espírito Santo será, até ao fim, a manifestação definitiva do amor de Deus e a garantia da fecundidade salvífica da Igreja. Sempre que alguém acolhe a Palavra e acredita, sempre que um homem se converte e se abre ao amor, quando a vida é vivida com a novidade da Páscoa, tudo isso é manifestação da fecundidade do amor de Deus em nós, através da acção Espírito. Se a encarnação do Verbo, fruto maravilhoso do seio fecundo de Maria, é a expressão máxima do amor de Deus por nós, a santidade cristã é a maior expressão do amor de Deus em nós. Se Jesus é o fruto bendito do ventre de Maria, a santidade da Igreja, que a une e identifica com Cristo, é o fruto maravilhoso da fecundidade da Igreja, cujo seio também é maternal, em Maria e como o de Maria. Não é por acaso que a oração é o fruto espontâneo da Igreja nascida da Páscoa que, com Maria, se prepara para acolher o Espírito. “Todos perseveravam unidos em oração” (Act. 1, 14). A oração será sempre, na Igreja, o fruto mais precioso, da fecundidade do Espírito, como ensinava São Paulo: “Vós recebestes um espírito de filhos adoptivos que nos faz exclamar: Abba, Pai. O Espírito de Deus une-se ao nosso espírito para atestar que nós somos filhos de Deus” (Rom. 8, 15-16). A própria Igreja, em cujo seio maternal se processa a fecundidade do Espírito, é, ela própria, o fruto desse amor fecundo. Como ouvimos na 1.ª Leitura, já no Antigo Testamento se tinha essa consciência de que a fecundidade do amor de Deus fazia crescer o Seu Povo: “A linhagem do povo de Deus será conhecida entre os povos e a sua descendência no meio das nações. Quantos os virem terão de os reconhecer como linhagem que o Senhor abençoou” (Is. 61, 9). E no Novo Testamento toda a riqueza da Igreja, na sua variedade de dons e carismas, é o fruto bem-aventurado da fecundidade do Espírito: “Tudo isto (a variedade dos dons) é um só e mesmo Espírito que o realiza, distribuindo a cada um os Seus dons” (1Cor. 12, 11). 3. Neste Ano do Rosário saudemos Maria, repetindo-lhe: tu és bendita entre as mulheres porque é bendito o fruto do teu ventre, Jesus. A fecundidade do amor de Deus, em Maria, é actual e inspirador da fecundidade do Espírito na Igreja. Com ela precisamos de aprender que só o amor é fecundo, que todo o verdadeiro amor é fecundo. Com ela, teremos uma visão de esperança sobre a Igreja e sobre o mundo, porque Deus continua a amar aqueles que redimiu e o seu amor é fecundo. Com ela perceberemos que o destino da Igreja e do mundo está ligado ao acolhimento da Palavra. Se nela, Jesus foi o fruto bendito do seu ventre, em nós a identificação com Cristo será o fruto venturoso do nosso acolhimento da Palavra, na fé e nos sacramentos. E como o Profeta Isaías, como Ela na visita a Isabel, experimentaremos esse fruto maravilhoso do Espírito que é a alegria. “Exulto de alegria no Senhor”. O Domingo, dia do acolhimento da Palavra eterna, feita pão da vida, pode ser o dia da nossa alegria e da nossa festa. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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