Bento XVI, um ano em revista

Um olhar sobre a vida do Papa e da Igreja no mundo 2008 foi o ano da confirmação de Bento XVI como líder espiritual dos mais de mil milhões de católicos em todo o mundo, num estilo próprio e bem definido que não agrada a todos – o “estado de graça” que se seguiu à eleição de 2005 já se desvaneceu – mas que não deixa de ser fiel aos princípios e convicções deste homem de fé, eminente teólogo, que assumiu como principal missão a tarefa – pouco mediática, é certo – de devolver Jesus ao mundo, com tudo o que isso implica. Este foi um ano cheio de pronunciamentos, gestos e significados que tiveram um vasto eco nos meios de comunicação social, provocando interesse, curiosidade, mas também polémicas. Algumas destas revelaram-se fruto de leituras superficiais e inconsistentes – como bem exemplificou a célebre polémica em torno a utilização ou não de «Prada». Bento XVI continuou a mostrar vontade de estar aberto ao diálogo com todos, não só com aqueles que vivem na Igreja, mas também com aqueles que estão fora. Consolidados alguns dos princípios que irão sempre marcar a sua actuação, percebe-se que só na aparência se está na presença de um pontificado invisível ou de travagem. Tomando em consideração os últimos meses, percebe-se que mesmo não estando permanentemente em viagem à volta do mundo, Bento XVI tem uma longa lista de actividades. Centenas discursos e homilias, audiências com os mais importantes líderes mundiais ou a série de beatificações que, em média, ultrapassa já a de João Paulo II mostram que o actual Papa se adaptou à sua função, com visibilidade quase diária nos cinco continentes. Alguns temas dominam as intervenções de Bento XVI, da Cúria Romana (com destaque para o Secretário de Estado do Vaticano, seja em audiências, seja em viagens ao estrangeiro) e as movimentações da sua equipa diplomática. Para além das críticas ao relativismo e ao secularismo da sociedade ocidental, que o Papa vê como uma ameaça à própria Igreja, há todo o leque das questões bioéticas – aborto, eutanásia, investigação em embriões – e da família/matrimónio, nem sempre bem acolhidos por governantes e fazedores de opinião. A nível teológico, fiel ao trabalho realizado durante mais de duas décadas na Congregação para a Doutrina da Fé, o Papa desafia constantemente os fiéis a darem testemunho das suas convicções, porque não concebe um catolicismo de pura intimidade, que não fala de si aos outros por receio de os ofender ou intimidar. Ao longo deste tempo, o Papa tem tentado estabelecer uma nova estratégia para a Igreja, que ultrapassa, em muito, a esfera meramente administrativa. A badalada “reforma” da Cúria Romana tem sido feita passo a passo, de forma discreta, este ano acelerada pelo morte do Cardeal López Trujillo e pela resignação dos Cardeais José Saraiva Martins e Francis Arinze. Considerado por muitos como um Papa “europeísta”, Joseph Ratzinger aprendeu a fazer do mundo a sua casa, como se viu na viagem à Austrália, por exemplo, olhando para os diversos problemas que se colocam à comunidade católica em países onde a sua existência está ameaçada (com destaque para o Médio Oriente) ou onde a dignidade humana não é respeitada. Praticamente todas as crises internacionais já mereceram, por parte de Bento XVI, um apelo em favor da paz, da reconciliação e do diálogo. O mesmo aconteceu em várias situações de catástrofe natural ou humana. Também relevantes são as suas intervenções, coadjuvadas pelas dos seus mais directos colaboradores e representantes em organismos internacionais, a respeito de temas particularmente em voga, como o aquecimento global ou a defesa do ambiente. As preocupações ecológicas chegaram em força ao Vaticano, seja em palavras, seja em actos – com a instalação de um grande complexo fotovoltaico sobre a sala Paulo VI – , dando força à ideia de que estamos na presença de um “imperativo moral” para todos os que se preocupam com o futuro da humanidade. Algumas questões geraram certa polémica, com destaque para a visita falhada à Universidade “La Sapienza”, de Roma, logo no início do ano, na qual o Papa manifestava a intenção de se apresentar como “uma voz da razão ética da humanidade”. “Não venho impor a fé, mas pedir a coragem para a verdade”, referia o texto que Bento XVI tinha preparado para a visita de 17 de Janeiro, que acabou por ser adiada devido a protestos de membros da comunidade académica desta instituição, que foi criada por um Papa no século XIV. O facto de estarmos perante uma instituição independente de autoridades políticas e eclesiásticas não invalida, escreve Bento XVI que ali não seja escutada “a sabedoria das grandes tradições religiosas”. Esta frase ajuda a compreender muitas das intervenções pontifícias dos últimos anos. Internamente, o Papa e os Cardeais da Cúria Romana ainda têm necessidade de explicar que a decisão de “liberalizar” o Missal de 1962, anterior à reforma conciliar, não representa um “retrocesso” nem uma tentativa de reforçar a corrente tradicionalista no seio da Igreja. Também neste campo, a nova oração de Sexta-feira Santa pelos judeus levou a algumas explicações do Vaticano, perante reacções de desagrado do mundo hebraico, que ameaçou mesmo congelar o diálogo que existe entre as duas partes – com fracos resultados no que diz respeito à presença católica na Terra Santa, é justo dizer. O Papa deixou claro, desde muito cedo, qual era o caminho que queria percorrer, nunca se coibindo de condenar a violência em nome de Deus e da Religião, sem deixar abrir caminho para um diálogo “franco e sincero”, entre culturas e religiões, que tem como condição fundamental o debate aberto daquilo que une e, também, daquilo que distingue, para se poder reconhecer totalmente o interlocutor. O actual Papa tem procurado, sobretudo, falar com clareza e de forma sistemática sobre as questões essenciais da fé. Bento XVI, de facto, é menos decifrável para o mundo mediático de hoje: para além do carisma ligado ao lugar que ocupa, ele destaca-se por oferecer orientação num mundo perdido na “ditadura do relativismo” que tanto condena, apresentando um programa coerente e uma capacidade intelectual acima de qualquer suspeita. Estes ingredientes não bastam, ainda assim, para fazer dele uma figura apetecível. Autobalanço: Sidney e o Sínodo O próprio Bento XVI fez, no Vaticano, um balanço de 2008, que considerou ter sido “rico de olhares retrospectivos sobre datas incisivas da história recente da Igreja”, bem como de “acontecimentos que trouxeram consigo sinais de orientação para o nosso caminho rumo ao futuro”. O Papa manifestou a sua satisfação pelo decorrer dos acontecimentos do ano, dando uma importância particular às Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) de Sidney, no mês de Julho, e ao Sínodo dos Bispos que decorreu em Outubro. Sobre a grande celebração juvenil que decorreu na Austrália, o Papa disse que “várias análises em voga tendem a considerar estas jornadas como uma variante da moderna cultura juvenil, uma espécie de festival rock modificado em sentido eclesial, com o Papa como «star». Com ou sem fé, estes festivais seriam sempre a mesma coisa, no fundo, e assim se pensa ser possível remover a questão sobre Deus”. Bento XVI admitiu que há mesmo vozes católicas que vêm nestas iniciativas um “grande espectáculo, belo, mas de pouco significado para a questão sobre a fé e a presença do Evangelho no nosso tempo”. “Seriam momentos de uma êxtase festiva, que no fim de contas, contudo, deixariam tudo como dantes, sem influência de forma profunda a vida”, indicou. Em resposta a estas críticas, o Papa disse que é fundamental analisar o tipo de alegria que se respirou em Sidney – citando mesmo Nietzsche a respeito deste tema -, onde mais de 200 mil jovens se reuniram sem perturbar a vida da cidade. A festa, aliás, surgiu após um “longo caminho exterior e interior”, tornando-se uma festa da fé em Cristo. “Na Austrália, não foi por acaso que a longa Via-Sacra ao longo da cidade se tornou o evento culminante das Jornadas. Ela resumia mais uma vez tudo o que aconteceu nos anos precedentes e indicou Aquele que reúne todos à sua volta, o Deus que nos ama até à cruz. Aqui também o Papa não é a «star» em volta da qual gira tudo”, disse. A estrela destas JMJ foi, para Bento XVI, o próprio Cristo e o seu Espírito, uma força criadora que gera comunhão, “amizades que encorajam um estilo de vida diferente”. Sínodo A profunda ligação entre a Bíblia e o Espírito Santo foi, segundo o Papa, um dos grandes méritos do Sínodo dos Bispos que, em Outubro passado, reuniu no Vaticano 253 padres sinodais dos cinco Continentes. “Percebemos que os escritos bíblicos foram redigidos em épocas determinadas e, portanto, constituem neste sentido um livro proveniente do passado, antes de mais. No entanto, vimos que a sua mensagem não ficou no passado nem pode ser fechada nele: Deus, no fundo, fala sempre ao presente”, explicou Bento XVI. Segundo o Papa, era importante “experimentar que na Igreja há um Pentecostes ainda hoje, isto é, que ela fala em muitas línguas e não só no sentido exterior de estar representada em todas as grandes línguas do mundo, mas também no sentido mais profundo”. “Na Igreja estão presentes os múltiplos modos de experiência de Deus e do mundo, a riqueza das culturas, e só assim surge a vastidão da existência humana e, a partir dela, a vastidão da Palavra de Deus”, acrescentou. Bento XVI destacou o facto de existir “uma multidão de línguas que ainda esperam pela Palavra de Deus contida na Bíblia” e os testemunhos de leigos de todas as partes do mundo que “não só vivem a Palavra de Deus, mas sofrem mesmo por causa dela”. O Papa considerou como “precioso” o discurso inédito de um Rabino, na aula sinodal, sobre as Escrituras de Israel, bem como a presença do Patriarca Ecuménico de Constantinopla (Ortodoxo), Bartolomeu I. “Esperemos agora que as experiências e as aquisições do Sínodo tenham uma influência eficaz na vida da Igreja: na relação pessoal com as Sagradas Escrituras, na sua interpretação na Liturgia e na catequese, bem como na pesquisa científica, para que a Bíblia não fique como uma Palavra do passado, mas a sua vitalidade e actualidade sejam lidas e discutidas na vastidão das dimensões dos seus significados”, concluiu. Os momentos de 2008 Viagens Bento XVI visitou os Estados Unidos da América e Organização das Nações Unidas de 15 a 21 de abril de 2008), tendo como momentos mais marcantes as passagens pela Casa Branca, a sede da ONU, o Ground Zero e as internvenções ligadas à crise dos abusos sexuais de menores. Em Nova Iorque, o Papa tornou-se o terceiro chefe da Igreja Católica a discursar perante as Nações Unidas e falou da promoção dos direitos humanos, do papel que a ONU desempenha na promoção desses mesmo direitos, da bioética e da missão que a religião pode desempenhar na promoção dos valores responsáveis. Sidney, como já foi referido, acolheu a XXIII Jornada Mundial da Juventude (12-21 de Julho de 2008), marcada pelo clima de festa, pelos encontros com os aborígenes, pelas mensagens em favor do ambiente e pela multidão em festa na vigília com o Papa. Bento XVI convidou os presentes a manterem-se unidos, na Igreja, perante um mundo cada vez mais fragmentado A viagem a França, pelo 150° aniversário das Aparições de Lourdes (12-15 de setembro de 2008), iniciou-se sob o signo da laicidade e da secularização, com o Papa e Nicolas Sarkozy unidos em volta da «laicidade positiva» Bento XVI passou pelo Eliseu para deixar mensagem sobre o papel da Igreja na sociedade e o futuro da humanidade. Já nos Pirenéus, insiste na vocação especial de Lourdes, em particular pela atenção aos doentes, e na necessidade de confiar em Deus. Dentro da Itália, o Papa passou por Pompeia, Cagliari, Santa Maria di Leuca e Brindisi, Savona e Génova. Apesar de não ter estado no Canadá, Bento XVI quis estar presente, via satélite, na celebração conclusiva do 49.° Congresso Eucarístico Internacional, que decorreu no Quebeque. Sínodo dos Bispos Cerca de 400 pessoas participaram na XII Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, em representação da Igreja Católica nos 5 continentes. A reunião magna, que decorreu de 5 a 26 de Outubro, congregou 253 padres sinodais – em representação de 13 Igrejas orientais católicas sui iuris, de 113 Conferências Episcopais, de 25 dicastérios da Cúria Romana e das Uniões dos Superiores Gerais (Institutos Religiosos masculinos e femininos). No início dos trabalhos, o Papa deixou convites à valorização de Deus e alerta para a crescente descristianização de países marcados pela evangelização. Posteriormente, apresentou uma reflexão sobre a exegese bíblica que não se encontrava no calendário dos trabalhos. O Papa pediu se supere o dualismo entre exegese e teologia que, em algumas ocasiões, leva a uma leitura sem fé da Bíblia. Falando a partir de apontamentos do seu caderno pessoal de notas e sentado no centro da sala sinodal, Bento XVI adiantou parte do trabalho que está a realizar para redigir o segundo volume do seu livro «Jesus de Nazaré». Os trabalhos do Sínodo dos Bispos chegaram ao fim com a votação, aprovação e publicação do elenco final das propostas. O documento, dividido em 55 pontos (as propositiones), está estruturado em três capítulos. Após uma introdução, que engloba duas proposições, o primeiro capítulo tem como título “A Palavra de Deus na fé da Igreja” (3-13). A segunda parte trata da “Palavra de Deus na vida da Igreja” (14-37). O último capítulo refere-se à “Palavra de Deus na missão da Igreja” (38-54). A última proposição, intitulada “Maria Mater Dei et Mater fidei”, é a conclusão do documento. Na Missa de encerramento, Bento XVI anuncia a primeira viagem do pontificado a África, com passagem pelos Camarões e por Angola, em Março de 2009. Discursos e encontros Os desafios lançados pela “crise” entre o Ocidente e o Islão têm sido analisados desde vários prismas, sempre com a preocupação de perceber qual será o futuro do diálogo com os muçulmanos. Os mais recentes sinais de aproximação entre o Vaticano e um grupo de representantes islâmicos levaram já ao primeiro encontro de um fórum permanente para o diálogo de aprofundamento e conhecimento recíprocos entre cristãos e muçulmanos, de 4 a 6 de Novembro. Na ocasião, o Papa encorajou os presentes para se “ultrapassar todos os mal entendidos e discórdias. Vamos resolver o passado e corrigir as imagens passadas, que ainda hoje podem tornar difíceis as relações. Vamos trabalhar conjuntamente para educar as pessoas, em especial os jovens, e construir um futuro comum”. Do ponto de vista ecuménico, o ano fica marcado pela aproximação constante a Bartolomeu I, Patriarca Ecuménico de Constantinopla (Ortodoxo), que falou no Sínodo dos Bispos, e pelas mortes de duas figuras de proa do mesmo mundo ortodoxo: Alexis II, Patriarca da Rússia, e o Arcebispo Christodoulos, Primaz da Grécia. A China esteve no centro de uma jornada de oração, a 24 de Maio, e a realização dos Jogos Olímpicos, em Pequim, serviu para várias intervenções do Papa, manifestando respeito e estima pelo gigante asiático. O caminho de aproximação comum, contudo, continua a esbarrar na intransigência chinesa, que vê no Vaticano uma ingerência externa nos assuntos do país, mesmo que se trate da nomeação de Bispos. Bento XVI mostrou-se chocado com os atentados que atingiram a cidade indiana de Mumbai (antiga Bombaim), manifestando-se “profundamente preocupado pela irrupção da violência em Mumbai” e oferecendo as suas condolências as famílias enlutadas por causa destes “ataques brutais”. A crise financeira internacional foi alvo de várias intervenções da Santa Sé e do próprio Papa, que deixou recados à Banca, apelando à solidariedade em tempo de dificuldades para as famílias e pedindo apoio à actividade produtiva. A maior parte dos observadores esperava um documento papal de carácter social. A mensagem para o Dia Mundial da Paz 2009, intitulada subordinada ao tema “Combater a pobreza, construir a Paz”, deixa adivinhar que a nova encíclica deverá estar para breve. Já na habitual mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa defendeu a necessidade de uma «infoética» contra o materialismo económico e o relativismo ético. A 28 de Junho, Bento XVI recebeu, no Vaticano, o Presidente da República Portugesa, Aníbal Cavaco Silva. Segundo breve comunicado da Santa Sé, que classificava o encontro como “cordial”, em cima da mesa estiveram “temas de interesse comum”, relativos à situação do nosso país, em especial a “aplicação da Concordata de 2004”. A este respeito, no final do encontro, Cavaco Silva assegurou que “Portugal irá respeitar totalmente a letra e o espírito da Concordata”. Vaticano A Cúria Romana conheceu novas caras, com a chegada dos Cardeais Ennio Antonelli e Antonio Cañizares, para os lugares do falecido Cardeal López Trujillo, presidente do Conselho Pontifício para a Família, e do Cardeal Francis Arinze, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Outra cara mais habituada aos corredores do Vaticano, o Arcebispo Angelo Amato, ocupou o lugar do Cardeal português D. José Saraiva Martins na presidência da Congregação para as Causas dos Santos. Os 50 anos da morte de Pio XII foram uma ocasião para que o actual Papa saísse em defesa do seu predecessor, rezando mesmo para “que prossiga felizmente a causa de beatificação do Servo de Deus”. Bento XVI considera que o Pio XII não poupou esforços para ajudar os judeus e pediu que sejam superados os “preconceitos” sobre esta figura, que guiou a Igreja Católica durante a II Guerra Mundial. A celebração do Ano Paulino, convocado pelo Papa, tem sido marcada no Vaticano pelo ciclo de catequeses de Bento XVI sobre o Apóstolo Paulo e a Igreja nascente. Em Junho, o Papa impôs o pálio ao Arcebispo de Évora, numa celebração de São Pedro e São Paulo marcada por gestos ecuménicos. Mais tarde, em Outubro, Bento XVI presidiu à cerimónia em que proclamou quatro novos Santos, incluindo a primeira indiana canonizada no Vaticano. A figura Paulos Faraj Rahho, Arcebispo de Mossul (Norte do Iraque) é o rosto mais visível da perseguição e da violência que atingiu várias comunidades católicas um pouco por todo o mundo, ao longo do ano que agora termina. O mundo acompanhou com emoção as semanas de rapto deste prelado da Igreja de rito caldeu, ligada a Roma, a maior comunidade católica no Iraque. Depois de duas semanas de avanços e recuos nas negociações, com vários apelos em favor da sua libertação vindos desde o Vaticano e mesmo de vozes muçulmanas, o triste episódio teve o desfecho que ninguém queria narrar. A morte de D. Rahho teve contornos chocantes, por ter ficado evidente que os seus raptores o trataram como uma espécie de mercadoria, tendo-o abandonado numa lixeira quando, após o seu falecimento, deixou de ter qualquer interesse. O Arcebispo de Mossul foi o rosto mais conhecido da perseguição, da opressão e da discriminação que atinge brutalmente a comunidade cristã no Iraque, que foge em massa para o estrangeiro apesar de se encontrar neste território desde tempos anteriores ao nascimento de Maomé e do Islamismo. Lamentavelmente, o final do ano viria a provar que o sacrifício deste homem que dedicou a sua vida à causa do diálogo e do entendimento entre as diversas sensibilidades no Iraque ainda não produziu frutos de paz e de concórdia: os cristãos foram escorraçadas de Mossul, duramente perseguidos e vários assassinatos culminaram um ano negro para quem professa a fé em Jesus no meio da violência e do caos que se instalaram no país, ao longo dos últimos anos. À morte de D. Paulos Faraj Rahho deve somar-se, como elemento mais marcante deste ano de martírio para a Igreja, o massacre no Estado indiano de Orissa que, desde Agosto, se vem alargando a outras regiões da Índia. Aparentemente esquecido pelo mundo ocidental, trata-se da maior perseguição contra comunidades cristãs dos últimos anos, tendo provocado centenas de mortos, dezenas de milhares de desalojados e elevados danos materiais em igrejas e nas habitações dos cristãos, que em muitos casos ainda permanecem em campos de refugiados sem as mínimas condições e duramente vigiados pelo governo.

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