Comunidades Portuguesas, baluarte da afirmação da nossa identidade

Mensagem para o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas 1. Portugal, mais uma vez, se prepara para celebrar, no dia 10 de Junho, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo. A Igreja Católica em Portugal, através do Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana, associa-se a esta celebração, num acto de gratidão a Deus, pelo importante papel desempenhado por tantos milhões de portugueses e luso-descendentes a viver fora do país, não só pelo seu papel na expansão da cultura e dos valores da pátria, mas, sobretudo, porque, através deles, se fortalece a nossa identidade lusa e a esperança de vencermos as depressões e crises do torrão natal. Numa altura em que prevalece um ambiente de contestação social na Europa, sobretudo por causa da subida dos preços dos combustíveis e dos cereais, fazendo resvalar atrás de si o agravamento das desigualdades entre os portugueses, faz-nos bem lançar o olhar para as nossas comunidades espalhadas pelos cinco continentes. Isso fortalece em todos nós a auto-estima e a esperança de que a valentia dos descobridores e emigrantes é capaz de vencer as crises e conseguir para as suas famílias o bem-estar que na pátria lhes foi negado. Hoje como outrora, temos de olhar para estes portugueses ousados como símbolos das potencialidades da nossa identidade, forjada ao longo dos séculos pelos valores da esperança cristã, que nos alarga os horizontes e desperta as virtualidades para vencer os desafios e as crises do presente, mas de um modo solidário e fraterno. Por outro lado, o fenómeno das migrações recorda-nos a nossa qualidade essencial de seres em mobilidade, homens sempre a caminho (“homo viator”, como diria o filósofo Gabriel Marcel) e que é nesta condição que conseguiremos superar as crises e dar novos horizontes às nossas famílias, a Portugal e ao mundo. 2. Contemplando, neste Ano Europeu do Diálogo Intercultural, a viagem histórica da diáspora portuguesa, podemos ver o como os emigrantes portugueses foram capazes de se estender por toda a parte, levando a nossa língua, a nossa cultura e também a fé, ao seio de outras comunidades e de outros povos. Na verdade, se algum povo, ao longo da história humana, foi capaz de viver profundamente a interculturalidade e a tolerância face a outras culturas e outras gentes, este povo foi, e ainda é, o povo português. Como se diz, Deus criou o ser humano e as diferentes raças, mas os portugueses criaram o mestiço. A mestiçagem das culturas e das raças é um fenómeno que se impõe cada vez mais e, num mundo global, onde alguns nacionalismos e fundamentalismos criam guetos e tensões, o diálogo intercultural e a mestiçagem podem dar um forte contributo para a coesão mundial, sem deixar aniquilar a identidade de cada povo, mas afirmada num pluralismo ecuménico e pacífico, reconhecendo no outro, no diferente, um irmão no percurso do caminho rumo à maturidade, que só é possível com os outros e não contra os outros. Os milhões de pessoas que se lançam na aventura de procurar um lugar onde se possam estabelecer e trabalhar, na busca de condições de vida com o mínimo de dignidade e com algum horizonte de esperança, entre eles cinco milhões de portugueses, precisam de se dar as mãos, para construir uma nova civilização da família humana, no respeito mútuo pela diversidade e pela natureza envolvente. 3. A depressão económica, o abrandamento do crescimento nos países desenvolvidos não pode arrastar-nos para uma crise dos valores da solidariedade, da compreensão, do amor ao necessitado, ao menos capaz de acompanhar o ritmo acelerado do desenvolvimento económico e tecnológico. Ou damos as mãos uns aos outros ou ficamos todos pelo caminho. Neste sentido, apelo aos nossos governantes e aos governos dos países de destino dos emigrantes, mas também aos próprios portugueses que vivem e trabalham longe do solo da pátria, para que apoiem os novos emigrantes, sobretudo as jovens famílias no seu início de vida comunitária, e não façam aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem a nós. Nesta nova geração de migrantes penso sobretudo naqueles que, provenientes da África e da América do sul, rumam aos países do norte, fugindo à miséria que mata milhões de seres humanos. Não podemos continuar a assistir, imóveis, à hecatombe de emigrantes, muitos deles mulheres e crianças, que sucumbem nos mares ou diante de fronteiras de arame farpado. 4. Apesar de Portugal, no contexto da Europa, se ter tornado também um país de acolhimento de imigrantes, continuamos a assistir à saída de muitos milhares de portugueses, que procuram noutras paragens, principalmente nos países da União Europeia, a oportunidade para construir uma vida melhor, sendo estes, na sua grande maioria, jovens. Este fenómeno traz novos desafios e exigências à missão da Igreja no seio das comunidades, aos quais procuraremos estar atentos e ir ao seu encontro, dentro das limitações da situação actual da Igreja que, muitas vezes, tem dificuldade de dar a resposta necessária, devido à crise vocacional dos últimos decénios e que tem levado à diminuição drástica do número de sacerdotes e de religiosos consagrados. Mas na Igreja trabalhamos em rede fraterna. Por isso estamos a redobrar esforços no sentido de as Igrejas dos países de origem e dos países de destino se entreajudarem, para que, como no início da era cristã, também hoje, povos de várias línguas e proveniências se compreendam, se sintam amados e em casa e colaborem na construção da nova humanidade, onde a ninguém falte o essencial para viver dignamente. 5. A convivência com povos de outras culturas fortalece a nossa identidade e a afirmação dos nossos valores, algo mais profundo que o simples facto de sermos luso-descendentes por razões genéticas. Todos nós sentimos a garra como os nossos emigrantes vivem a sua identidade e se afirmam por esse mundo fora. Como se alegram e transmitem alegria, quando celebram a sua fé, fazem as suas procissões, muitas vezes à volta da imagem de Nossa Senhora de Fátima, fundam as suas associações e clubes, recebem a visita de algum membro do governo do nosso país ou representante da Igreja portuguesa, ouvem algum grupo ou artista, exibindo as nossas danças e os nossos cantares ou vêm ao seu país em gozo merecido de férias ou de visita à sua terra e familiares… Que o diga a selecção de Portugal agora a disputar o campeonato europeu de futebol na Suíça e na Áustria! 6. Recordo a todos os dois grandes eventos que se aproximam: o Encontro Nacional da Pastoral das Migrações, subordinado ao tema: “As migrações e os desafios pastorais da Igreja num país em mutação cultural”, o qual se realizará no Santuário de Nossa Senhora do Sameiro, em Braga, de 7 a 10 de Julho; e a 36ª Semana Nacional de Migrações, de 10 a 17 de Agosto, a qual terá como tema: “Jovens Migrantes Protagonistas da Esperança”, cujo ponto alto é a Peregrinação dos Migrantes a Fátima, nos dias 12 e 13 de Agosto. 7. Dirijo uma saudação particular a todos os missionários: sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, que, ao serviço das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, dão o seu melhor na construção da Igreja de Cristo, procurando incarnar no seio das comunidades os valores do humanismo evangélico, que, durante séculos, identificou Portugal e que tem sido levado, pelos portugueses, às cinco partidas do mundo. Viva Portugal e todos os seus filhos dispersos pelo mundo! 10 de Junho de 2008 António Vitalino Dantas, Bispo de Beja, Presidente da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana

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