Homilia da Missa Crismal de D. José Traquina

Quinta Feira Santa – Missa Crismal

Santarém, 29 de Março de 2018

 Caros irmãos no ministério sacerdotal

Esta celebração atualiza-nos no livre acolhimento do dom da Eucaristia e do ministério sacerdotal que o Senhor Jesus nos chamou a exercer na sua Igreja.

O Espírito do Senhor nos ungiu com o óleo da alegria e nos dispõe a anunciar os novos tempos da graça do Senhor. Os pobres, os presos, os cegos e todos os oprimidos são os referenciados como aqueles a quem o Espírito nos envia.

A melhor atitude para retomarmos esta graça do nosso ministério, é reconhecermo-nos como os primeiros pobres a quem o Evangelho é comunicado. Somos obra de Deus; trazemos em vazos de barro os tesouros divinos. Somos o que somos por que, como aconteceu com Nossa Senhora, e como aconteceu com os primeiros Apóstolos, também o Senhor olhou para nós e nos chamou; não por mérito da nossa parte mas por sua iniciativa. Fazemos parte do desígnio de Deus acerca do seu Povo, a Igreja.

Somos pobres ainda porque exercemos um ministério sacerdotal que não é nosso. É de Cristo e da sua Igreja; somos conhecidos pela missão sacerdotal que exercemos, representando e tornando presente Cristo em favor de todo o Povo.

A pobreza e a humildade da Virgem Maria, bem presente no alegre cântico do Magnificat, inspira-nos a reconhecer que é esta a atitude que Deus quer em nós. A pobreza como virtude permite-nos saborear o Amor que nos perdoa e purifica e fortalece-nos no ministério sacerdotal em total disponibilidade. E nada sobrepondo a Cristo, nosso mestre e Senhor, possamos crescer nesta identificação de tal modo que possamos dizer como S. Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20).

A pobreza como virtude deve corresponder a uma modéstia e afirmação de fé no que respeita aos bens materiais. A viúva pobre que no Templo de Jerusalém deu de esmola duas pequenas moedas (cf Mc 12,41-44), foi a que ofereceu mais porque deu tudo o que tinha. Jesus quis que os seus apóstolos vissem aquela mulher para lhes servir de exemplo: a Deus devemos dar tudo o que somos e tudo o que temos.

Um sacerdote não é um funcionário religioso; é um escolhido e ungido do Senhor a favor de todo o seu Povo, tem como referência de conduta a lei suprema: Amarás o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as forças e com todo o entendimento. E amarás o teu próximo como a ti mesmo (Lc 10,27), busca “um coração puro” e um “espírito firme” (cf Salmo 50), alimenta-se da Palavra, da oração e da mesma Eucaristia a que preside. “A espiritualidade sacerdotal é intrinsecamente eucarística; a semente desta espiritualidade encontra-se nas palavras que o Bispo pronuncia na liturgia da ordenação: Recebe a oferenda do povo santo para a apresentares a Deus. Toma consciência do que virás a fazer; imita o que virás a realizar, e conforma a tua vida com o mistério da cruz do Senhor” (Sacramentum Caritatis, 80).

Irmãos e irmãs

Uma forma habitual de nos referenciarmos a um sacerdote de Cristo, é chamar-lhe “Padre”. Porquê assim? Na verdade, considerando o sacerdote identificado com Cristo, o Padre foi consagrado para nos olhar e amar como Deus Pai, para nos perdoar e abençoar como o Pai do céu e nos dirigir uma palavra de exortação, conforto e discernimento como um bom pai deve dirigir a um filho. E para ser realmente uma verdade do coração, o Padre é o pai que faz tudo o que é possível para bem dos filhos; os filhos de Deus que lhes estão confiados. Era exatamente assim que Jesus procedia quando olhava, exortava, perdoava e curava.

É necessário reconhecer que muitos padres, têm uma dedicação alargada promovendo o que é necessário pastoralmente e lhe parece bem e possível na animação das comunidades cristãs. Desgastados e cansados, frágeis e às vezes duvidosos acerca dos frutos positivos do seu ministério, merecem uma palavra de compreensão, gratidão e de estímulo dos seus paroquianos.

Caros irmãos sacerdotes, pertencemos ao Senhor e esta pertença é colegial. Procuremos corresponder ao que ensina o Concílio Vat. II: “Os presbíteros (…) constituem com o seu Bispo um presbitério (…). Em virtude da comum sagrada ordenação e missão, todos os presbíteros estão entre si ligados em íntima fraternidade, que espontânea e livremente se deve manifestar em auxílio mútuo, tanto espiritual como material (…).

Assumam-se como pais em Cristo, pelos fiéis que espiritualmente geraram pelo Batismo e pela doutrinação. Fazendo-se, de coração, os modelos do rebanho, de tal modo dirijam e sirvam a sua comunidade local que esta possa dignamente ser chamada com aquele nome com que se honra o único Povo de Deus todo inteiro, a saber, a Igreja de Deus”. (LG 28).

Na igreja o ministério exerce-se em comunhão com o Bispo e com os outros companheiros presbíteros; nenhum padre diocesano é chamado para viver isolado ou por conta própria. Ainda que alguma coisa nos distancie, é muito o que nos une; todos fomos chamados e Ordenados pelo mesmo Senhor e no mesmo Espírito Santo. Hoje retomamos e reforçamos esta graça, conscientes de que desta comunhão de vida em Cristo, em fidelidade e amor generoso, depende a alegria de muitas pessoas a quem somos enviados.

Nos tempos que correm, importa que os cristãos valorizem a dimensão da vida em castidade consagrada a que são chamados os seus pastores. Um padre não constituiu uma família, mas foi chamado e consagrado para ser familiar de todos. Então, que todos descubram a beleza dessa vida, o seu significado sacramental e o tesouro espiritual que é para a Igreja e para o mundo. Aquilo que mais interpela (ou incomoda) a sociedade do nosso tempo, é saber que alguém seja capaz de viver consagrado a Deus e aos outros. Porém, esta capacidade é dom de Deus à sua Igreja; cada sacerdote assumirá hoje a palavra do Evangelho: “o Espírito do Senhor está sobre mim”. Por isso, o nosso compromisso de consagrados de alma e corpo inteiro não dá lugar à vaidade, nem a complexos de inferioridade; é antes motivo de alegria, por sabermos que é por eleição e graça de Deus que é possível.

Também no nosso tempo, um padre está sujeito a ser avaliado pela capacidade de liderança, se é ou não um bom líder, um bom animador. Na verdade, o sacerdote é um pastor mas não pode deixar de ser aquilo que é: um homem chamado e tocado por Deus. É nessa condição que a todos ele se dedicará como um pai, um irmão e um amigo.

A certeza de que Deus ama o seu povo e é surpreendente na sua graça, leva-nos a celebrar a Páscoa com as nossas comunidades com renovada esperança. Além disso, valorizando a nossa vocação e sabendo das necessidades das nossas comunidades, procuremos despertar nos jovens cristãos o sentido da disponibilidade interior para acolher a vontade de Deus. Seguir Cristo como seu discípulo Padre, é uma aventura a propor, mas só possível como um chamamento e uma resposta à luz da Fé.

Temos na nossa Diocese vários sacerdotes idosos que já não podem exercer o ministério sacerdotal com a mesma força de outros tempos. Quero agradecer-lhes e pedir-lhes que continuem a dar-nos o testemunho da sua alegria e da sua dedicação; continuem a unir-se a Cristo  na Eucaristia e oferecerem-se pela santificação de todos os sacerdotes, de toda a Igreja, de todo o Povo de Deus, especialmente a nossa Diocese.

Que a graça desta celebração e a renovação das promessas sacerdotais, a todos ajude a retomar a unidade da vida espiritual e pastoral. Quanto mais fiéis a Deus, melhor amaremos e serviremos o seu Povo.

D. José Traquina, Bispo de Santarém

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