Homilia do bispo de Angra na celebração da Paixão do Senhor

No silêncio e na interioridade deste acontecimento desconcertante para a nossa inteligência, contemplando a paixão e a morte de Jesus de Nazaré, procuramos penetrar no mistério da revelação de Deus que no Seu amor infinito entrega o Seu Filho em resgate da humanidade perdida e escravizada pelo pecado.

Começa a Palavra do Senhor, na leitura do Profeta Isaías por nos transpor até à figura do Servo de Javé cujos traços estão aí delineados. Ao mesmo tempo que fala da sua prosperidade, exaltação e glorificação, revela-se como estranho e repugnante aos olhos dos homens porque tinha perdido o aspeto de homem.

Mas o espanto irá até ao limite de as nações se surpreenderem pela vitalidade e pela força exercida pelo braço de Deus ao apresentar-se como um rebento que brota de um deserto de sofrimento e de repulsa.

Porém Ele é o homem de dores, trespassado pelos nossos pecados e esmagado devido às nossas faltas. Por causa das suas chagas é que fomos curados.

Esmagado pelo sofrimento, carregou com todas as nossas culpas. Mas por fim, pela Sua sabedoria, o verdadeiro Justo receberá como prémio as multidões dos povos.

Esta descrição toma o verdadeiro significado com a contemplação de Jesus Cristo, tal como nos é apresentado na Carta aos Hebreus realçando n’Ele o Seu sacerdócio, único e eterno, que oferece a garantia de que nos conhece e entende o nosso sofrimento. Daí o convite a caminharmos decididamente ao Seu encontro para obtermos d’Ele toda a Graça.

Serve-nos de consolação e de esperança, de orientação e de estimulo o facto de sendo Filho aprendeu de quanto sofrera o que é obedecer.

Eis o nosso Salvador. Verdadeiro conhecedor da pessoa humana, em oferta de amor redentor Aquele que se entrega totalmente pela salvação da humanidade e Aquele que orienta a razão humana para o mistério de amor que se traduz na Vida Nova que surge pela morte e despojamento total de cada um.

No silêncio e na contemplação, integrando a nossa própria vida, as nossas dúvidas, sofrimentos e perplexidades, percorramos o itinerário que leva Jesus de Nazaré da Ceia Pascal até ao Calvário. Unindo a nossa vida ao Seu percurso melhor saborearemos o que significa a riqueza e a força do amor que se manifesta na Vida Nova do Ressuscitado.

É muito oportuna a cena descrita em S. João segundo a qual alguns gregos pediram a um dos discípulos que lhes fizesse ver a Jesus. Perante tal inquietação Jesus de Nazaré revela o Seu destino ao afirmar que «se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto».  E acrescenta que «quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna».  Deste modo, diz Jesus de Nazaré, «se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo».  Na verdade «se alguém me servir, o Pai há de honrá-lo» (Jo. 12,24-26).

Participar na morte de Cristo e na Sua revelação é integrarmo-nos no Seu caminho de entrega total ao Pai e aos irmãos. Por isso, a celebração da paixão e morte de Jesus Cristo manifesta-se na comunhão de vida que cada batizado é chamado a viver na relação com Ele. Eis o caminho de aprendizagem de uma vida que nos escapa quando vivemos para nós, na auto-suficiência e no egoísmo.

  1. João Paulo II, a partir desta passagem do Evangelho de S. João questiona a Igreja dizendo: «e não é porventura a missão da Igreja refletir a luz de Cristo em cada época da história, e por conseguinte fazer resplandecer o seu rosto também diante das gerações do novo milénio?» (NMI, 16)

E, acrescenta dizendo que «o nosso testemunho seria excessivamente pobre, se não fôssemos primeiro contemplativos do seu rosto» (Ib., 16)

E focando o rosto sofredor de Cristo sublinha que «a nossa contemplação do rosto de Cristo trouxe-nos até ao aspeto mais paradoxal do seu mistério, que se manifesta na hora extrema — a hora da Cruz». Como ele próprio diz «Mistério no mistério, diante do qual o ser humano pode apenas prostrar-se em adoração».

De facto, «passa diante dos nossos olhos, em toda a sua intensidade, a cena da agonia no Horto das Oliveiras». Sem dúvida, «oprimido ao pressentir a prova que O espera, Jesus, sozinho com Deus, invoca-O com a sua habitual e terna expressão de confidência: “Abba, Pai”» (Ib. 25).

Porque nunca acabaremos de penetrar no abismo deste mistério, como refere S. João Paulo II «o grito de Jesus na cruz não traduz a angústia dum desesperado, mas a oração do Filho que, por amor, oferece a sua vida ao Pai pela salvação de todos» (Ib. 26).

Deste modo, não estamos perante um derrotado mas perante Alguém que carrega todo o sofrimento humano e o encaminha para o pleno significado que é a Vida Nova do Ressuscitado.

Entrar neste caminho da cruz de Cristo é abrirmo-nos à sorte dos irmãos que mais sofrem e oferecer-lhes os sinais de esperança que brotam da entrega no amor para reconhecerem a Vida Nova que inunda de esperança a sua vida.

Imploramos de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que acompanhou o Seu Filho na Paixão e na Sua morte nos conduza à alegria da Sua ressurreição.

Amen.

D. João Lavrador, bispo de Angra e Ilhas dos Açores

 

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