Homilia na Missa de Acção de Graças pela canonização de São Nuno de Santa Maria

“Acreditar e amar, itinerário da santidade cristã” 1. Nestes domingos do tempo pascal a Palavra de Deus conduz-nos à compreensão da existência cristã, enquanto vivência, desde já, da plenitude de vida, inaugurada para a humanidade na ressurreição de Cristo. N’Ele foi-nos revelada a vida; mais, n’Ele foi-nos oferecida a vida. Unindo-nos a Ele, pelo baptismo, somos novas criaturas. Na sua Páscoa, Cristo afirmou-se definitivamente como a fonte da vida, que nós recebemos e experimentamos unidos a Ele. Se vivermos cada momento da nossa existência unidos a Ele, seremos santos, porque a santidade é, em Deus e em nós, a plenitude da vida. Reunimo-nos hoje, aqui, para agradecermos a Deus a santidade de São Nuno de Santa Maria. Viveu e morreu nesta cidade, amou Portugal, viveu profundamente essa radicalidade pascal. Foi santo porque foi um cristão fiel. Com a sua intercessão e com o seu exemplo, desafia-nos a percorrermos, também nós, o caminho da santidade na fidelidade. O Apóstolo São João, no texto que agora escutámos, apresenta-nos uma síntese deste caminho de santidade: “É este o Seu mandamento: acreditar no nome de Seu Filho, Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros como Ele nos mandou”. Acreditar e amar, eis o caminho da fidelidade cristã, que tem a santidade como objectivo. 2. Estas duas atitudes constitutivas da fidelidade cristã, acreditar e amar, encontram-se na sua essência. A fé autêntica é a primeira expressão da caridade. A fé exprime a ousadia da caridade e inclui a obscuridade do amor cristão, que não encontra a sua força na alegria humana de amar e de se sentir amado, mas no abandono confiante ao amor gratuito e misterioso com que Deus nos ama em Jesus Cristo. Podemos ser tentados a considerar a nossa fé como atitude humana, difícil e exigente, mas controlável pela nossa inteligência e liberdade, porventura como o mais generoso dom que podemos oferecer a Deus. Mas a fé autêntica não radica na nossa generosidade humana, mas no amor misericordioso de Deus, que nos convida e atrai para experiências de vida fora do alcance das nossas capacidades humanas. A fé não é, apenas, a atitude humana que nos ajudará a viver bem as nossas capacidades de vida impressas no nosso ser, pelo Criador, mas feridas pelo pecado. A fé é a experiência de viver do ressuscitado, abre-nos a manifestações da vida que vão muito para além da nossa natureza e nas quais acabamos por identificar a plenitude da vida humana, experiência de eternidade vivida já neste mundo. Segundo o Evangelho de São João, que acabámos de escutar, esta experiência da fé consiste em viver unido a Jesus Cristo, um só com Ele, como a vide está unida à cepa. A vida nova do ressuscitado não se imita, partilha-se, a fé é uma convivência, é experiência de comunhão de amor. Esta união vital a Jesus Cristo é o dom que recebemos no nosso baptismo. Tentar viver a fé, mesmo com generosidade, como atitude que depende da nossa vontade, sem esta união total, ao nível do ser, com Cristo ressuscitado, é abrir as portas da fragilidade da fé: as dúvidas, a coerência nas atitudes, na correspondência da nossa maneira de viver à fé que professamos, a dificuldade de celebrar a fé. Se ela não é, em nós, essa experiência de convivência total com Cristo ressuscitado, que nos conhece, nos ama e nos salva, o que é que celebramos quando nos reunimos em assembleia? 3. Amar porque se acredita, acreditar sempre que se ama, eis o segredo da unidade e da harmonia da existência cristã. O que distingue a caridade, a maneira cristã de amar, do amor de que todo o ser humano é capaz, é que a caridade brota dessa união íntima com Jesus Cristo, qual fruto abundante e diversificado de um mesmo tronco. É por isso que quando o cristão ama é também Cristo que ama. A caridade cristã é sempre expressão misteriosa do amor trinitário, o amor do Pai pelo seu Filho Jesus Cristo, amor tão pessoal que é Pessoa, tão forte que tudo recria e transforma. A caridade é a mais perfeita expressão da fé. Em cada acto de amor confessamos a nossa fé. É por isso que nas cartas apostólicas, tanto São João como São Tiago insistem que a fé professada, mas não expressa em actos de caridade, é falsa. No texto desta Liturgia, São João afirma: “quem observa os Seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele”, ou seja, é a generosidade do amor que exprime a união vital com Cristo e, por Cristo, com Deus. É por isso que a primeira expressão do amor cristão é a oração, o saborear silencioso dessa união de vida com Cristo. O amor a Deus é de todas as expressões do amor cristão a que mais exige a fé: ama-se acreditando e acredita-se amando. Acreditar é o único caminho, na nossa situação de peregrinos, para permanecermos unidos a Cristo, na intimidade do amor divino. É viver toda a vida com Deus e em Deus. Escutemos o próprio Jesus: “Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido”. É no seio desta intimidade confiante que somos chamados a amar cada um dos nossos irmãos como Cristo os ama. Esse é o rosto novo da caridade cristã, comparada com a solidariedade humana. A força e a exigência do amor dos irmãos brota do coração de Deus: é generosidade gratuita, exprime-se de forma mais pura no amor daqueles que ninguém ama, que não apetece amar, de quem não esperamos nada como retribuição. Também então se acredita, amando, porque é aceitar que o único prémio do amor é o amor. 4. Acreditar e amar, este é o caminho da santidade. E porque são as atitudes constitutivas da existência cristã, significa que Deus, ao dar-nos o dom da fé, nos chama à santidade. O risco de uma canonização é levar-nos a pensar que os santos como tais reconhecidos pela Igreja, são casos de excepção; ao contrário, acordam-nos para a meta decisiva do chamamento que Deus nos fez, à fé, ao amor, à santidade. Olhemos assim para a proclamação solene da santidade de um português, nosso concidadão. Em Nuno Alvares Pereira, numa longa vida, variada nas responsabilidades e nas missões a que foi chamado, sempre se evidenciaram a profundidade da sua fé e a grandeza da caridade, que levou ao extremo do apagamento humano para que só ficasse o amor. Ele continua a dizer-nos que é possível viver com fé todas as realidades humanas, sociais, políticas, militares, familiares, religiosas; continua a dizer-nos que é possível ser santo em todas elas, que se pode viver toda a vida com Deus, que nos vai sugerindo, em cada momento e em cada circunstância, a maneira de acreditar e de amar. Lisboa, Paróquia de Santo Condestável, 10 de Maio de 2009 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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