LUSOFONIAS – Peregrinar, rezar com os pés

Tony Neves

Peregrinar é isso mesmo. E, por isso mesmo, o Vaticano promoveu, quinta-feira dia 25 de outubro, uma peregrinação que uniu bispos e jovens participantes do Sínodo num percurso de seis quilómetros, por caminhos de montanha e pelas ruas de Roma, até ao túmulo de São Pedro, onde foram recebidos pelo Papa Francisco. Segundo o Cardeal Fisichela, nasceu da ideia de mostrar ‘uma Igreja a caminho’ para levar o Sínodo à rua, num percurso que evoca a história das peregrinações, ao longo de todos os séculos do Cristianismo.

Há fenómenos que nos provocam. Este é um deles: aumenta, de ano para ano, o número dos que se põem a caminho, por mais ou menos tempo, para rumar a um lugar ‘sagrado’, ponto de chegada das grandes peregrinações. E vão a pé ou de bicicleta. Andam dias e mais dias, pernoitam em albergues ou ao ar livre, alimentam-se nos conventos ou nos bares e mercados à borda dos caminhos, fazem promessas, conversam ou vão em silêncio absoluto, têm ou não um objetivo de mudança de vida em relação ao futuro que desenham.

As peregrinações têm milénios de história. Alguns dos caminhos ainda se mantêm intactos e até reganham força. Os próprios governos e autoridades autárquicas redesenham estes percursos, melhorando os seus pisos e identificando-os para que os peregrinos não se percam. As povoações por onde passam são, regra geral, acolhedoras.

Participei no Retiro anual da minha comunidade num convento de Beneditinas Contemplativas nas periferias de Vetralla, uma vila muito antiga situada entre Roma e Viterbo, na via Cássia, uma das muitas que os Romanos abriam e palmilhavam para ligar a capital do império ao resto do mundo. Aqui, no Convento, passaram durante a semana dezenas de peregrinos, a caminho de Roma. Vinham a pé ou de bicicleta. Eram italianos, belgas, suíços, franceses. Andavam há dias ou mesmo há meses na estrada, com o objetivo de chegar a Roma. Muitos peregrinavam para aprofundar a sua Fé, outros o faziam apenas para repensar a vida e redescobrir um sentido que andava um pouco perdido ou enublado. Os rostos mostravam o desgaste provocado pelos quilómetros e pelo calor do caminho mais havia uma luzinha sempre acesa nos olhos que encorajava os peregrinos a regressar à estrada logo pela manhã bem cedo, depois de uma noite repousante no Convento. Algumas e alguns partilharam momentos de oração connosco, outros só os víamos no refeitório ou no jardim de acesso a casa.

Este Convento está na famosa (e bem indicada), Via Francigena, caminho dos peregrinos desde os Alpes até ao porto de Bari, onde atravessavam o mar mediterrâneo para rumar à Terra Santa.

Jerusalém, Roma, Lourdes, Santiago de Compostela, Fátima…são tantos os ‘lugares santos’ que convidam os peregrinos a deixar os seus espaços de conforto e segurança e fazer-se à estrada, lá onde tudo pode acontecer. Desligados de um quotidiano tornado rotineiro e sem sentido, os peregrinos abrem-se a novas experiências e, no silêncio do caminho – e da oração – tentar redesenhar um futuro com esperança.

Os peregrinos crentes rezam com os pés. Desinstalam-se. Aceitam reequacionar a sua forma de viver. Optam por desprender-se das amarras do dia a dia e fazem-se a uma estrada cheia de surpresas. São desafiados por um estilo de vida simples e fraterna. Experimentam os seus limites físicos e psicológicos. Encontram no caminho novos desafios, novas amizades, novas perspetivas de futuro.

O dia seguinte da peregrinação é um livro por escrever. Houve um carregar de baterias que rasgou novas possibilidades. O contacto com a natureza, com a cultura gravada em monumentos e com gentes desconhecidas abriu possibilidades de felicidade que não se adivinhavam no inicio do caminho.

Ousemos, pois, com radicalidade e coragem, deitar fora os medos e fazer da vida uma peregrinação.

 

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