Não basta abrir os olhos para ver

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

“Breves Respostas às grandes questões.” Publicado após a sua morte, este é o título do último livro de Stephen Hawking, um dos maiores cientistas de todos os tempos. Não deixa se ser curioso como a primeira grande questão de um cientista se dirija à existência de Deus.

É quase impossível não ter uma grande admiração por Stephen Hawking. As suas teorias elevaram o conhecimento humano, resolvendo enigmas do universo associados à sua origem, desbravando caminho na unificação do infinitamente grande (Relatividade Geral) ao infinitamente pequeno (Mecânica Quântica). Notáveis são, também, as suas teorias sobre os buracos negros. E todo este conhecimento desenvolvido a partir de uma posição tão frágil. Stephen Hawking não acreditava em Deus. Por isso, não deixa de ser curioso como a sua primeira grande questão se dirige, precisamente, à existência de Deus.

 

“Haverá Deus?”

Sendo ateu, Hawking é claro desde o início na sua resposta de que a ciência está gradualmente a responder a questões que antes eram do domínio religioso. Questões como: Porque estamos aqui? De onde vimos? E a visão que tem das respostas dadas pela religião são de que estamos aqui porque Deus fez tudo o que existe. Assim, à medida que a ciência explica aquilo que existe, e exprime as razões com base em leis naturais, não precisamos mais de invocar a intervenção de Deus. A origem dos fenómenos possui uma explicação racional e natural. Os crentes argumentam que essas leis são obra de Deus, mas Hawking diz que isso é mais uma definição de Deus do que uma prova da Sua existência. Eu concordo.

Depois, diz ainda Hawking que a descoberta destas leis é um dos maiores feitos da humanidade, pois serão essas que nos dirão se precisamos de um Deus, ou não, para explicar a existência do próprio universo. Como cristão, o primeiro pensamento que tive ao ler estas palavras foi – “mas eu não preciso de Deus para explicar a existência do próprio universo.” A seu tempo explicarei porquê.

Ainda, Hawking refere que o facto das leis não poderem ser quebradas explica a razão de serem tão poderosas. Eu não podia estar mais de acordo. Só não percebi por que razão Hawking argumenta que isso é controverso de um ponto de vista religioso. Não percebi até ao momento e que ele questiona a relevância do papel de Deus em tudo no universo se existem leis que o explicam. Interessante o seu raciocínio. Um Deus que assume a forma humana, insignificante e acidental, ter criado um universo de tamanha vastidão como o nosso, parece implausível. E mais implausível ainda quando alguns testemunham estabelecer um relacionamento pessoal com Ele. Por isso, Stephen Hawking prevê que iremos conhecer a mente de Deus até ao final deste século. Será? É aqui que começam as minhas dúvidas.

 

Do que duvido

Há alguém que conheça a totalidade daquilo que Deus criou realmente? Sabemos o que experimentamos ao nível material, ou o que podemos inferir do passado, ou ainda intuir aspectos que fazem parte da imaterialidade, como um pensamento, mas isso esgota o que Deus criou e cria ainda? Se Deus é Deus, a única coisa razoável de afirmar seria somente “Deus criou.” Ponto. Mas criou o quê? Como? Foi para isso que nos deu a inteligência suficiente para inventar a ciência: a chave de interpretação racional da linguagem de Deus quando nos fala através do universo.

O facto de Hawking e muitos ateus recusarem Deus como explicação faz todo o sentido. É este o ponto central do problema que gera um conflito sem fundamento entre ciência e religião na nossa cabeça: usar a existência de Deus para explicar seja o que for.

Se Deus é Deus, a sua existência precede qualquer necessidade de explicação e, pelo contrário, está na origem do impulso a procurar explicações através das ciências naturais e humanas. Deus é o fundamento da existência em si mesma, logo, não pode existir como qualquer outra coisa que existe.

Qual a causa deste mundo? O que o explica? A ciência é a linguagem que inventámos para responder a estas questões. As causas, o modo, são tudo objecto da ciência, mas o porquê, o sentido e significado vai muito para além da linguagem científica. Que verdade se esconde nas realidades que não conhecemos ainda?

Deus não está ao nível das explicações que damos às coisas, mas antes ao nível daquilo que nos inspira a pensar nelas. Deus não serve de explicação quando é uma escolha. Ou acolho a sua presença na abertura de coração, mente, de tudo o que sou e aspiro ser, ou não acolho. A sua existência não depende da minha escolha. Apenas o modo como me relaciono, ou não, com Deus.

A um certo ponto, Hawking dá-se ao trabalho de fazer um percurso pela procura da origem do universo para concluir que essa é um… nada. Porém, este nada é, simplesmente, aquilo sobre o qual a ciência nada consegue dizer porque chegou ao seu limite como linguagem e pensamento humanos, o que não esgota a possibilidade de pensarmos com outras linguagens como a arte, a filosofia e a teologia.

Hawking rejeita um deus-designer e isso é comum a todo o cristão. Porém, para Hawking, dizer que Deus é criador, é o mesmo que ser designer, mas não é. São dois conceitos completamente diferentes. O conceito de Deus a que se refere Hawking é o de um ser entre outros seres, causa entre outras causas. Ou seja, não se refere ao Deus de Jesus Cristo. Pena que Hawking não tivesse usado na questão de Deus o mesmo rigor que usava nas teorias que desenvolvia. Porque não há resposta científica mais rigorosa e honesta a esta “grande questão” do que – “não sei.”

 

Diante de Ti

O ponto de partida da questão de Deus será sempre um humilde “não sei.” É uma questão de tal modo importante que talvez seja melhor manter como questão, para nos manter na procura.

Quanto tempo e recursos não gastamos para descobrir as partículas fundamentais do universo, ou desenvolver teorias de buracos negros, quando, por mais fascinantes que sejam, pouca influência têm sobre o sentido e significado da nossa vida.

A descoberta de Deus como criador é a descoberta íntima do sentido e significado da nossa existência. É a descoberta de ser amado tal como sou. Algo que o mundo fez em relação a Stephen Hawking, não só pela sua inteligência, mas pelo testemunho da grandeza relacional humana diante da fragilidade. Pois, sem a ajuda e o amor de tantos, ele nunca teria chegado onde chegou. Teria sido esse amor o modo como Deus se quis manifestar diante dele, na esperança de que abrisse os olhos do coração? Aparentemente, não basta abrir os olhos para ver.

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