Homilia de D. Pio Alves no Domingo de Páscoa

Ressuscitar para a esperança

  1. Na noite passada, esta Catedral encheu-se de luz para viver intensamente “a mãe de todas as vigílias”: a Vigília Pascal.

A liturgia deitou mão da riqueza da Palavra e da variedade dos sinais para celebrar e procurar penetrar no mistério mais insondável da história da humanidade: um Deus que se fez homem, que morreu e que ressuscitou. O mistério é tão insondável que os relatos e a liturgia sentem a necessidade de unir, uma e outra vez, à afirmação da ressurreição o advérbio verdadeiramente. Mas a ressurreição só é verdadeira, porque é de um homem verdadeiro, de um Deus verdadeiro, de uma morte verdadeira.

Não estamos diante de um atentado à dignidade da razão humana. Estamos frente a um passo que a vida do Ressuscitado preparou e a sedução da resposta ao Amor tornou possível.

Um autor da literatura cristã antiga, S. João Crisóstomo, com o génio literário que se lhe reconhece, comenta assim esta perplexidade: “Como poderia contar-vos estas realidades ocultas? Como poderia proclamar tudo o que supera a palavra e a mente? Como poderia explicar o mistério da ressurreição do Senhor? E igualmente o mistério da cruz e o mistério da sua morte em três dias, e todos os mistérios do Salvador. Da mesma maneira que nasceu das entranhas imaculadas da Virgem, assim surgiu do sepulcro fechado. E tal como o unigénito Filho de Deus se converteu no primogénito de uma mãe, assim também pela sua ressurreição se converteu no primogénito de entre os mortos. (…) Por isso, não posso expressar com a palavra o seu nascimento nem tampouco posso abarcar o que diz respeito ao túmulo” (Homilia sobre o sábado santo, 10).

 

  1. No texto de S. João, que acabámos de ouvir (Jo 20, 1-9), as personagens que marcam o relato desenham um sugestivo itinerário. A surpresa de Maria Madalena contagia o ímpeto de Pedro e, tudo somado, desemboca na fé de João.

No princípio, no meio e no fim está o amor. Não é por acaso a reação comum às três personagens: todos correram. Correu Maria Madalena a dar a notícia a Simão Pedro; correram juntos Pedro e João; João correu mais do que Pedro.

Apesar das recentes infidelidades ao Mestre, apesar das negações, apesar dos abandonos, apesar do peso humanamente incompreensível da tragédia do Calvário, não se tinha apagado o amor. E, por isso, o que os olhos viram gerou a surpresa, mas não o susto; a notícia deu lugar à decisão e não à desconfiança; a história não terminou na escuridão do sepulcro mas na luz da fé. Como escreve Hesíquio de Jerusalém, Jesus Cristo “foi ocultado primeiro no seio de uma carne e depois no seio da terra, santificando assim, por essa gestação, os que são gerados, devolvendo a vida mediante a sua ressurreição aos que estavam mortos, ‘pois desapareceram o sofrimento, a dor e o gemido’ ” (Homilias sobre a Páscoa, 1, 5-6).

 

  1. Minhas irmãs, meus irmãos:

A fé não inventa realidades: abre caminhos que ultrapassam a capacidade da razão. Caminhos que conduzem a mundos renovados, onde o homem redescobre mais plenamente o sentido da sua vida e, por isso, a Felicidade. Pelo contrário, se vivemos atados às nossas estreitas medidas; se eliminamos ou diminuímos drasticamente a capacidade de surpresa; se reduzimos tudo a fria matemática, cavamos o nosso próprio sepulcro. E aí não há horizonte, não há luz, não há futuro.

Sim: a fé não inventa realidades: abre para a insondável realidade onde mora a esperança. “Tal como Pedro e as mulheres, diz o Papa Francisco (Homilia na Vigília Pascal: 26.03.2016), também nós não encontraremos a vida se permanecemos tristes e sem esperança e fechados em nós mesmos. Pelo contrário, abramos ao Senhor os nossos sepulcros fechados – cada um conhece os seus – para que Jesus entre e o encha de vida; levemos-Lhe as pedras do rancor e as lousas do passado, as rochas pesadas das debilidades e das quedas. Ele deseja vir e pegar-nos pela mão para nos tirar da angústia. (…) Que o Senhor nos livre deste terrível engano de ser cristãos sem esperança, que vivem como se o Senhor não tivesse ressuscitado e os nossos problemas fossem o centro da vida”.

“O Senhor ressuscitou verdadeiramente”. Ressuscitemos para uma vida nova. Pela fé e pelo amor sejamos fermento de uma sociedade onde brilhe para todos o sol da esperança.

Porto, 01 de abril de 2018

D. Pio Alves, Bispo Auxiliar do Porto

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