Homilia do bispo de Angra na celebração do Domingo da Ressurreição


Começa a Palavra de Deus por nos comunicar o acontecimento mais imprevisto e surpreendente, Jesus de Nazaré a quem tinham dado a morte, Deus ressuscitou-O e Pedro proclama não só este facto mas também que os Apóstolos são suas testemunhas.

Na verdade, esta mesma proclamação quer-nos tornar participantes deste acontecimento, convocando-nos para percorrermos os caminhos da fé que levam até ao encontro com Jesus Ressuscitado, Vivo, participarmos de tal modo da Sua vida Nova, que nos capacita para sermos Suas testemunhas.

Daí, o percurso que leva a deslocarmo-nos da nossa vida pessoal, que integra os nossos pensamentos, os nossos critérios, valores, os nossos projectos e o nosso modo de entender a realidade que nos envolve e que nos anima ou nos desilude, para nos lançarmos na aventura do encontro com Aquele que esteve no sepulcro, cujos sinais da morte podemos observar mas a Ele não no encontramos aí porque Ele está Ressuscitado.

É sugestiva a reacção de Maria de Madalena que ao aproximar-se do sepulcro verifica que este estava aberto e Jesus de Nazaré não estava lá. Correu, diz o Evangelho, porque é de pressa e de resposta imediata que ela necessita para interpretar os sinais que necessitam de obter uma solução que só a iniciativa de Deus poderá explicar.

Uma vez conhecedores deste facto, Pedro e João correm também mas juntos. Realmente, a experiência da Ressurreição é sempre feita em partilha comunitária, embora atinja a cada um de modo particular. É precisamente na abertura de cada um à experiência do outro que se destapam os olhos dos discípulos.

Por isso, é eloquente e muito significativa para nós que João, ao entrar e vendo os mesmos sinais que os outros, viu e acreditou.

O encontro com Jesus Cristo deverá despertar em cada baptizado uma experiência de Vida que o conduzirá ao encontro dos irmãos para lhes ajudar a decifrar os sinais da presença amorosa e da revelação de Jesus Cristo. Eis o dinamismo comunitário da fé cristã, vivida e convivida, testemunhada e feita missão no meio do mundo.

Atendendo à Carta de S. Paulo aos Colossenses, reconhecemos que para experienciar a Ressurreição de Jesus de Nazaré exige-se um contexto de vida que proporcione o encontro com Ele. Por isso, diz o Apóstolo «uma vez que ressuscitastes com Cristo aspirai às coisas do alto (…) afeiçoai-vos às coisas do alto e não às coisas da terra».

De facto, para caminharmos no itinerário interior que nos levará a viver a experiência da Ressurreição, a qual sacramentalmente já nos atingiu pelo baptismo, teremos de purificar a nossa mente, os nossos sentidos, os nosso afectos e projectar a nossa vontade para nos deixarmos iluminar pela luz que o Espírito Santo projetará sobre nós.

Neste caminho que leva da morte, do túmulo e da dor, para a contemplação da Vida Nova em Cristo exige-se o despojamento pessoal, a abertura humilde à comunidade cristã e a docilidade à ação do Espírito Santo.

A Igreja não se detém apenas na contemplação de Cristo crucificado, mas olha para Ele Ressuscitado, glorioso.

Usando as palavras de S. João Paulo II afirmamos que «agora é para Cristo ressuscitado que a Igreja olha». De facto, «fá-lo, seguindo os passos de Pedro que chorou por tê-Lo negado e retomou o seu caminho confessando, com compreensível tremor, o seu amor a Cristo: “Tu sabes que Te amo” (Jo 21,15-17)». Do mesmo modo, «a Igreja fá-lo, seguindo Paulo que ficou fascinado por Ele depois de O ter encontrado no caminho de Damasco: “para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fil 1,21)» (NMI, 28).

Na verdade «passados dois mil anos destes acontecimentos, a Igreja revive-os como se tivessem sucedido hoje». Assim «no rosto de Cristo, ela — a Esposa — contempla o seu tesouro, a sua alegria» (Ib., 28).

Com a Ressurreição de Jesus Cristo abre-se a esperança para o mundo e a Igreja é portadora desta mesma notícia. Fá-lo através da proclamação da Palavra, pelo convite à experiência na comunidade cristã e nos gestos libertadores perante as situações de marginalização, de exploração e de injustiça, de exclusão e de pobreza,  isto é, os sinais de morte e de sofrimento que persistem na sociedade.

Como verdadeiros discípulos de Jesus Cristo que nos encontrámos com Ele que venceu a morte somos enviados a anunciar a este mundo mergulhado na tristeza, no desespero, na incompreensão, porque imerso no materialismo que gera a frustração e a desilusão e que clama pela libertação.

Como afirma o Papa Francisco, «a alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária».

Assim, «a intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão “reveste essencialmente a forma de comunhão missionária”».

Na verdade, «fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo». Sim, «a alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém» (EG, 23).

O envio que mobiliza a cada baptizado e a cada comunidade cristã para testemunharem a Vida Nova do Ressuscitado é essencial para uma verdadeira experiência cristã.

Sem o dinamismo que vem da Ressurreição a comunidade cristã perde a sua vivência de comunhão e partilha, de testemunha e de presença evangélica no meio do mundo.

Focados na Ressurreição de Jesus Cristo não poderemos de deixar de relacionar as aspirações da pessoa humana com a resposta única e singular porque vem da iniciativa de Deus e desejada pelo homem que vê na participação na Ressurreição do Filho de Deus o significado total da sua existência.

Numa cultura dominada pelo paganismo, pelo relativismo, pelo individualismo, ofuscada na sua limitada compreensão e sem projectos de futuro e de sentido, mergulhada na morte, urge proclamar e experienciar os dinamismos da Ressurreição como resposta ao ser da pessoa e aos anseios mais profundos do homem.

Eis o contributo do ser cristão e o testemunho da comunidade cristã que são no meio do mundo fermento de uma nova humanidade já realizada em Jesus Cristo que marca a história pela Sua vitória sobre o sofrimento e a morte e abre para os homens um futuro de esperança.

A missão a que somos convidados pela participação na Ressurreição de Jesus Cristo é urgente porque há uma sociedade à espera do anúncio jubiloso da alegria do Ressuscitado; é urgente porque há tantos que vivem nas sobras da morte à espera de gestos de salvação; é urgente porque só a ressurreição poderá oferecer dinamismo e força às comunidades cristãs que parecem cansadas e tantas vezes desanimadas.

A frescura e a renovação permanente da Igreja está na comunhão com o Ressuscitado.

Que neste dia proclamemos com todas as forças: Cristo Ressuscitou Aleluia.

Imploro de Nossa Senhora, Mãe e Rainha dos Açores, que se alegrou com a Ressurreição do Seu Filho, abençoe as nossas famílias, crianças, jovens, adultos e idosos, os excluídos, desempregados, os pobres, os encarcerados e emigrados, todos os que sofrem da injustiça e da violência, para que possam viver a alegria que nos vem da Ressurreição de Jesus Cristo.

Amen

D. João Lavrador, bispo de Angra e Ilhas dos Açores

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