Homilia do bispo do Funchal na celebração da Paixão do Senhor

Contemplar a Cruz do Senhor!

“Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13). A centralidade litúrgica desta tarde de Sexta-feira Santa é a Adoração da Cruz. Sinal de despojamento, de obediência ao Pai e de entrega amorosa, a Cruz envolve e abraça toda a Humanidade, desde o princípio até ao fim do mundo. Ela é sabedoria de Deus para os que acreditam, mistério do amor indiscritível de Deus por cada um de nós.

Cristo, o Pobre Crucificado, carregou sobre si os nossos pecados para nos dar a salvação eterna. Ao contemplar o mistério da Sua morte, somos penetrados de profunda reverência e amor, pela fé na admirável ciência e sabedoria da Cruz.

A ciência e a sabedoria da Cruz

O grande profeta Isaías anunciou os sofrimentos de Cristo, a cura e a força libertadora, que dela nos advém. “Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades” (Is 53,11). Colocado ao lado dos pecadores, como malfeitor, Cristo assumiu o castigo do nosso pecado, libertou-nos do mal e da morte.

Neste dia de Sexta-feira Santa, toda a Igreja acompanha e contempla em silêncio a Paixão e morte de Jesus na Cruz, como o maior sinal do amor de Deus. “Cristo continua a sofrer até ao fim do mundo”, dizia Pascal. A Paixão não terminou no Calvário. Jesus continua a sofrer em cada irmã ou irmão que sofre. Nos caminhos deste mundo, são muitos ainda aqueles que experimentam “ao vivo” os sofrimentos de Jesus e solicitam a nossa solidariedade, atenção e amor concreto. Então, todos somos chamados a ser “cireneus” desses irmãos que sofrem, testemunhando a alegria da Fé, a coragem da Esperança e a força do Amor!

De fato, o Crucificado do Calvário está presente nos sofrimentos dos pobres desprezados e sem abrigo, que morrem sozinhos; nos doentes dos hospitais ou em suas casas, nos idosos abandonados, nas famílias com dificuldades financeiras ou provadas pelo desamor; nos refugiados que fogem da guerra e até de perseguições religiosas; nos que sofrem o peso da injustiça, da fome, da mentira e da calúnia, da incompreensão, enfim de tantos crucificados que só o Senhor conhece.

A vitória definitiva do Amor

A Cruz emerge triunfante e luminosa, como vitória sobre o pecado, o sofrimento e a morte. A derradeira palavra de Deus para os seus filhos e filhas é a plenitude da Vida e do Amor, que se manifesta no lado trespassado de Cristo: “Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água” (Jo 19, 33-34).

São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja, afirma que “esta água e este sangue simbolizavam o Batismo e a Eucaristia. Foi destes sacramentos que nasceu a Igreja”. O seu lado perfurado pela lança do soldado ficou para sempre aberto. Na ferida mortal do coração de Cristo, imolado como Cordeiro inocente, nasceu uma fonte perene de água viva, que sacia a nossa sede de luz, de amor e de verdade. “É da sua plenitude que todos nós recebemos graça sobre graça”, disse o apóstolo João.

A Luz que brilha no silêncio

No Calvário, Maria-Mãe, João e algumas mulheres acompanham a agonia e a morte de Cristo na Cruz. “Uma espada de dor trespassará a tua alma”, havia profetizado Simeão. Aqui, neste espaço de silêncio, de imensa dor, amor e morte, encontramos a semente de esperança, que nos diz e explica todos os nossos sofrimentos. “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morre, dá muito fruto” (Jo 12,24).

No final desta celebração teremos o enterro do Senhor com a participação dos fiéis. “Então tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no, com os aromas, em faixas de linho” (40). Mas este gesto não é o fim, porque a Palavra que Jesus havia pronunciado anteriormente, mantém todo o potencial de vida nova. “Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem (Hebreus 4, 9).

No Coração de Maria, transformado em altar do sacrifício, brilha a única Luz, que se mantém acesa, na noite deste mundo. Ela sabe que a morte não é a resposta definitiva do silêncio sem retorno, mas o abraço de eternidade do amor que nos une totalmente a Deus. O Papa Francisco recorda-nos o papel fundamental da Mãe da Igreja, no Calvário: “Ao pé da cruz, na hora suprema da nova criação, Cristo conduz-nos a Maria; conduz-nos a ela porque não quer que caminhemos sem uma mãe; e, nesta imagem materna, o povo lê todos os mistérios do Evangelho” (A Alegria do Evangelho 285).

“Tenho sede”

Como ressonância da longa escuta da Paixão do Senhor, levemos para as nossas casas e para a nossa vida a palavra de Jesus na Cruz: “Tenho sede” (Jo 19, 28). Urge dessedentar os lábios moribundos do Crucificado. Como? Ele tem sede do nosso olhar, do nosso abraço silencioso e do nosso amor.

Com Jesus, aprendamos a verdadeira ciência e sabedoria da Cruz. Nela resplandece a glória do amor. No Calvário compreendemos o valor redentor do sofrimento unido ao de Jesus. Na clara Luz que irradia da Cruz do Senhor, ajudemos os nossos irmãos e irmãs, que precisam de nós e sofrem o peso do abandono, da solidão, da doença ou da proximidade da morte. Sejamos testemunhas luminosas da esperança e do abraço amoroso de Jesus Salvador.

Mãe de Misericórdia, Senhora da Piedade, rogai por nós!

Funchal, 30 de Março de 2018
†António Carrilho, Bispo do Funchal

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