Homilia do bispo do Funchal na Missa Crismal

Sé do Funchal, 29 de Março 2018

Configurados com Cristo, testemunhas da alegria e do amor!

“O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Ele Me ungiu” (Lc 4,18). Caríssimos Padres: alegro-me convosco e a todos saúdo fraternalmente, por nos encontrarmos aqui, na Catedral da Diocese, a concelebrar a Sagrada Eucaristia, num dia tão significativo para nós. É que Quinta-feira Santa é o dia da Eucaristia e do Sacerdócio, o dia por excelência do presbitério e de cada sacerdote.

Num olhar retrospetivo nós, sacerdotes, recordamos o jubiloso e inesquecível dia da nossa Ordenação Sacerdotal. Do íntimo do coração de cada um brota, certamente, o louvor e ação de graças pela alegria do Sacramento recebido. E ao renovarmos as promessas sacerdotais, a fidelidade ao nosso “Sim” incondicional para o serviço do povo de Deus, a nossa experiência e gratidão podem traduzir-se nestas palavras de S. Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 19).

Com Cristo, sumo e eterno Sacerdote, e em união com todos os sacerdotes da nossa Diocese, estamos aqui reunidos num sinal visível da comunhão e unidade do presbitério, bendizendo a Deus pelo grande e admirável dom do sacerdócio: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor” (Sl 88). Neste hino de louvor e gratidão, incluímos todo o povo de Deus, que de outro modo também participa do sacerdócio da Igreja, o sacerdócio comum dos batizados, como exigência de presença e compromisso evangélico no Mundo.

Nesta ação litúrgica se integra a bênção dos óleos dos enfermos e dos catecúmenos, com a consagração do óleo do crisma, destinados à celebração dos sacramentos, ao longo de todo o ano, nas diversas comunidades cristãs, como sinal e manifestação da unidade da Igreja diocesana.

Participantes do sacerdócio de Cristo

A liturgia da Palavra, que a Igreja propõe para este dia, conduz-nos ao “hoje” eterno de Deus. A Sua ação salvadora manifesta-se na presença sempre atual do Espírito Santo, na Igreja e no mundo, fonte de sabedoria e graça, de bondade e libertação.

No texto de Isaías, o grande profeta messiânico, entramos pela porta das profecias da esperança e consolação de Deus ao seu povo. Aquele que é enviado do Senhor tem a missão de levar essa esperança e consolação a todos os que dela carecem: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu e me enviou para anunciar a Boa Nova aos infelizes” (atribulados, cativos, prisioneiros, aflitos) “e a levar-lhes o óleo da alegria” (cf Is 61,1-9). Podemos dizer que esta é também a nossa missão de sacerdotes.

Aplicando a si próprio as palavras de Isaías (cf Lc 4,16-21), Jesus apresenta-se como o Messias esperado que, entretanto, se revela como Filho Unigénito do Pai, Sacerdote da Nova Aliança, Bom Pastor da humanidade, Mediador entre Deus e os homens. À semelhança do Mestre, os gestos das mãos ungidas dos sacerdotes constituem uma “Boa Nova” para todos os que sofrem e buscam os caminhos de Deus.

O Apocalipse, na segunda leitura, aponta-nos Jesus como primeiro vencedor da morte, o Senhor da história, cuja revelação nunca se esgota, porque Deus é mistério e surpresa. Ele é o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim, “a Testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos” (…) “e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai” (Ap1,5-6). A soberania de Deus não pode ser ignorada pelo passado ou pelo presente da humanidade; o dinamismo do Espírito não se deixa aprisionar pelo espírito do mal e do pecado, mas impele-nos à santidade, para as realidades sobrenaturais e eternas. Neste projeto se integra toda a ação evangelizadora da Igreja, inerente à nossa vocação e ministério.

Espiritualidade Sacerdotal

A espiritualidade sacerdotal é essencialmente cristológica. Configurados com Cristo Sacerdote, mediadores entre Deus e os homens, os ministros ordenados devem ser, mais do que ninguém, sal da terra e luz do mundo, até como exigência da santidade da sua vocação, consagração e missão.

O sacerdote, cujo ministério se exerce «in persona Christi» (na pessoa de Cristo), não pode deixar de ter uma vida pautada pela Palavra, pela Eucaristia, por uma profunda intimidade e comunhão pessoal com Cristo, Sacerdote, Pastor e Mestre: “Já não vos chamo servos, mas amigos” – disse Jesus (Jo 15,14). Na sua ação e missão pastoral, o sacerdote age em nome de Cristo, como autêntica representação sacramental. É sacramento de Cristo!

O Concílio Vaticano II afirmou que a liturgia e, em especial, a Eucaristia é o cume e a fonte da vida da Igreja (SC, 10). Por isso, toda a ação sacerdotal deve convergir para a celebração eucarística, como ação principal da vida do padre: “Fazei isto em memória de mim”. Como disse o Papa Francisco aos jovens sacerdotes, reunidos no passado dia 16 de Março, “na Eucaristia o sacerdote encontra a plenitude da espiritualidade”.

Conscientes da sua fragilidade, os sacerdotes sabem que o “carácter” indelével do Sacramento da Ordem os transcende. Num mundo secularizado como o nosso, grandes são, pois, os desafios que nos são colocados à missão evangelizadora e, muitas vezes, com o perigo dum certo mundanismo, que pode tornar-se uma forte tentação.

É certo que a presença e ação redentora de Cristo não está dependente da santidade dos ministros, mas a fidelidade dos mesmos é fundamental para a vida de cada um e testemunho de fé para a própria Igreja. Por isso se pede aos sacerdotes formação permanente, participação em jornadas e cursos de atualização, retiros, vida de oração pessoal e sacramental, particularmente pela vivência da Eucaristia e recurso ao sacramento da Reconciliação. No anúncio da Palavra e nos sacramentos que ministra ao povo de Deus, encontra um estímulo à conversão e renovação de vida no Espírito Santo, aprofundando e testemunhando a caridade pastoral, pela qual se santifica.

A alegria de ser padre

Hoje, quero recordar em especial os nossos seminários e os jovens em discernimento vocacional, designadamente no pré-seminário. O testemunho alegre e feliz do sacerdote é a melhor pastoral juvenil e vocacional: além de ser um forte incentivo para o seguimento de Cristo, mantém viva a fé e acesa a esperança, no percurso formativo dos próprios jovens. Eles são contagiados pelo perfume de quem está continuamente seduzido por Jesus, não importa a idade.

Um sacerdote que vive, em fidelidade e coerência, a radical identificação com Cristo, na pobreza, na obediência e no celibato por amor do Reino dos céus, dá um notável testemunho, que irradia e ilumina a Igreja e o mundo. Ainda recentemente o Papa Francisco falava aos jovens sacerdotes sobre a importância de assumirem a sua condição de membros do presbitério diocesano, na relação com o seu bispo, com os seus irmãos sacerdotes e as pessoas das suas comunidades ou paróquias, o que implica “formação humana, pastoral, espiritual e comunitária”.

Lembro, neste momento, os sacerdotes doentes e os falecidos, ao longo do último ano. E, desde já, também nos associamos, em louvor e ação de graças, às Bodas de Prata Sacerdotais dos Padres Diocesanos, Pe. António Paulo de Ponte Sousa e Pe. José Pascoal de Freitas Gouveia, ordenados no dia 31 de Julho de 1993, e às Bodas de Ouro dos Padres Salesianos, Pe. José Clemente dos Santos e Fernando Eusébio, ordenados em 1968. A Igreja agradece a generosidade e disponibilidade, os sacrifícios de cada um ao serviço do Evangelho, e pede que Cristo Sacerdote os recompense pelo generoso trabalho pastoral realizado, lhes dê luz e força para prosseguirem nos caminhos de fidelidade e na missão que lhes foi confiada.

Rezemos pelos jovens da nossa Diocese e pelo próximo Sínodo dos Bispos (Roma, Outubro 2018), que a eles vai dedicar os seus trabalhos, após largo tempo de preparação em todo o mundo católico, para que encontrem, de facto, o verdadeiro rosto de Cristo e se disponham a segui-l’O, acolhendo o próprio chamamento. Fé e discernimento será o caminho, que todos temos de apoiar, se queremos uma “Igreja jovem com os jovens“.

Mãe dos Sacerdotes

É verdade que nas suas atividades pastorais o padre encontra, muitas vezes, grandes dificuldades, sofrimentos e até perseguições, mas contará, certamente, com a oração e a colaboração alegre, generosa e corresponsável dos colegas, dos religiosos/as e dos leigos.

Caríssimos padres: como dizia São João Paulo II, todos nascemos no Cenáculo, no coração da última ceia. Que Maria, Mãe dos sacerdotes, Senhora do Cenáculo e da Eucaristia, nos conceda a graça da fé e da coragem, para enfrentarmos as dificuldades inerentes ao ministério a que fomos chamados.

Ó Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, Mãe dos sacerdotes, rogai por nós!

Funchal, 29 de Março de 2018
†António Carrilho, Bispo do Funchal

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