Lisboa: Alojamento, turismo responsável e respeito pelos inquilinos, um equilíbrio difícil

Próxima edição do Programa «70×7» destaca debate sobre prática do alojamento local, em curso na Assembleia da República

Lisboa, 25 mai 2018 (Ecclesia) – A deputada Berta Cabral, a autarca Carla Madeira e o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal, Eduardo Miranda, são alguns dos convidados do Programa 70×7 deste domingo, que vai ser dedicado à temática do turismo responsável.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, a representante do PSD, Berta Cabral, realça a importância que a atividade turística tem tido para o país, em particular nos últimos anos a prática do alojamento local, “como forma de dinamização e crescimento da economia” e de criação de mais “postos de trabalho”.

Algo que trouxe “um rendimento adicional a muitas famílias” que tiveram neste setor a sua “boia de salvação” em “altura de crise”.

Aquela responsável destaca ainda a mais-valia que o alojamento local tem trazido quer a territórios mais desertificados, do interior do país, quer mesmo para cidades como Lisboa, no que toca à “regeneração” do património “edificado”, mas admite a necessidade de “regular” a prática turística onde esta já não tem grande margem de crescimento e começa a colocar em causa a própria identidade e vivência das comunidades, como está a acontecer na zona história de Lisboa.

Berta Cabral está a coordenar um debate na Assembleia da República Portuguesa do qual sairá proximamente uma nova lei para o Alojamento Local.

“Admitimos, e temos feito dezenas de audições, que pontualmente em algumas freguesias, sobretudo de Lisboa e do Porto, há um excesso de concentração sobre o qual é preciso agir”, aponta a deputada social-democrata.

Este grupo de trabalho para a temática do Alojamento Local tem promovido audiências com membros do governo, com representantes dos partidos, com presidentes de câmaras municipais e juntas de freguesia e com responsáveis de organismos civis empenhados nesta questão, como é o caso do presidente da Associação de Alojamento Local em Portugal, para quem o crescimento de práticas como o alojamento local, entre outras atividades turísticas, em certas regiões de “maior concentração”, é uma problemática que “tem de ser analisada e monitorizada”.

“Deve ser vista aqui qual é a zona de sobrecarga e eventualmente nestas zonas de sobrecarga, e só nestas zonas de sobrecarga, criar aqui algum compromisso, que não pode ser só o AL, mas todas as outras formas”, entende Eduardo Miranda.

Atualmente, existem mais de 63 mil espaços habitacionais reservados para alojamento turístico local em Portugal, sendo que a maior fatia está localizada em Lisboa e concretamente na zona histórica da cidade.

Um facto que tem levantado desafios não só ao nível da política habitacional e urbana, mas também da própria convivência das populações locais com os turistas.

O crescimento desregulado do alojamento local; as pressões exercidas sobre inquilinos, por parte dos senhorios, para que os primeiros deixem as suas casas e estas habitações possam ser mais rentabilizadas no alojamento local; o desrespeito das boas regras de convivência por parte dos proprietários do alojamento local e dos turistas foram alguns dos problemas detetados durante a reportagem do Programa 70×7 que vai ser emitido este domingo a partir das 13h40 na RTP2.

Carla Madeira, presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, na zona histórica de Lisboa, testemunha uma situação que tem agravado o êxodo das comunidades e famílias deste ponto da cidade.

“A título de exemplo, temos a Freguesia da Misericórdia que perdeu dois mil moradores em quatro anos, é muito. Uma freguesia que tinha 13 mil habitantes e agora tem pouco mais de 11 mil habitantes”, lamenta a autarca, para quem urge colocar regras a esta pressão turística que tomou conta da zona histórica.

“Vamos ter estes bairros completamente descaracterizados”, o que “é não só matar do cariz residencial destes bairros, como o matar do próprio turismo”, alerta.

No último Dia Mundial do Turismo, o Papa Francisco alertava na sua mensagem para a importância de apostar num turismo cada vez mais responsável, ou seja, tendo em conta quer o bem-estar das pessoas quer a sustentabilidade da natureza e da identidade das comunidades e povos.

Turismo responsável é aquele que “não é destrutivo nem prejudicial para o meio ambiente nem para o contexto sociocultural em que incide”; é uma prática que tem em atenção o “respeito pelas populações e pelo seu património”, que “salvaguarda a dignidade pessoal e os direitos” das pessoas, em especial as “mais desfavorecidas e vulneráveis”, sublinhava Francisco.

O Programa 70×7, com a ajuda dos padres António Boto e Edgar Clara, há vários anos em missão na zona histórica de Lisboa, encontrou ao longo da sua reportagem vários exemplos onde a prática turística ainda caminha lado a lado com situações de desrespeito à dignidade humana.

“Há mudanças quase estruturais, quer nos prédios, nas próprias casas, obras que se fazem numa semana e que não sabemos bem, em termos de qualidade de obras e de construção, como é que elas são feitas, precisamente para acolher rapidamente o maior número de turistas possível. E isso traz incómodo à comunidade local”, refere o padre António Boto, pároco das Mercês e de Santa Catarina.

Por seu lado, o padre Edgar Clara, que nos últimos 11 anos dividiu o seu trabalho em comunidades como a Mouraria e Alfama, chama à responsabilidade o Estado, no seu papel regulador, não só no que toca ao turismo, mas ao próprio mercado do arrendamento ou da habitação.

“Muitas vezes o Estado penso que regula muito a parte financeira em detrimento da parte social, mas tem que ser regulado também isso. Não pode haver uma casa que custe acima de um ordenado mínimo, há casas básicas que custam acima de um ordenado mínimo, vai ser impossível para nós”, sustenta.

Neste Programa 70×7, poderá ficar a conhecer algumas pessoas que sofrem na pele a falta de regulação na atividade turística e, no global, a falta de uma política mais equilibrada e estruturada em termos de habitação, que vá ao encontro das necessidades e problemas dos habitantes.

Como a Ana Luíza Sá, que há um ano vive “um inferno” depois do apartamento de cima da casa onde mora ter sido destinado a alojamento local, uma intervenção que causou vários estragos na sua habitação; Maria Júlia Francisco passa aos dias na iminência de ver o teto da sua casa “cair-lhe em cima”, num contexto de sofrimento e indefinição, paredes meias com um conjunto de empreendimentos turísticos, e que para já não parece ter um fim à vista.

JCP

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