Peregrinar com as mãos

“Peregrinar com as mãos”. Assim se intitula a exposição (no Centro Paulo VI, em Fátima), integrada nas comemorações do centenário do nascimento da escultora Maria Amélia Carvalheira. O título da exposição exprime bem toda a vida e obra da artista. “Maria Amélia Carvalheira da Silvanão frequentou qualquer Escola de Belas Artes, dentro e fora do País. Tudo o que é a si se deve, bem como aos seus trabalhos que, pacientemente, foi realizando hora a hora, dia a dia, ano a ano. Em poucas palavras é, indiscutivelmente, uma autodidacta”. Assim escreveu, em Julho de 1983, no Porto, o Mestre Salvador Barata Feyo, que em 1947, depois de ver os trabalhos da artista autodidacta e amadora, se prontifi-cara a aceitá-la como sua discípula. Até 1953 aprendeu com ele tudo o que a esta arte dizia respeito. E fez obras nas quais vive; ela continua a viver. Ouvi comentários a seu respeito de vários mestres que tiveram certo ciúme da sua popularidade. À minha pergunta se achavam as obras de Amélia Carvalheira boas e belas sempre me responderam que sim. Mas acrescentavam: “nós estudámos vários anos e gastámos o nosso dinheiro, para conseguir algum nome. Ela não gastou nem anos, nem dinheiro, e hoje tem grande nome como artista religiosa”. Sim, reconheço que ela não gastou anos na Escola de Belas Artes, aprendeu só o necessário com o Mestre Barata Feyo e superou as faltas com o seu talento que já se manifestou quando tinha 12 anos. No entanto, Maria Amélia Carvalheira conseguiu tornar-se excelente escultora no mundo religioso porque viveu conscientemente a sua religiosidade e a quis transmitir em seu redor por meio do seu talento artístico. Fui ordenado em 1953 e fizera mais um ano de estudos na Alemanha, quando os meus superiores da Ordem me mandaram para Fátima em 1954, altura em que estava em fase de acabamento a construção do nosso Seminário. Recebi imediatamente do Superior Regional Pe. Alexandre Janssen como primeiro trabalho, a incumbência de cuidar da Capela. Assim, dentro de pouco tempo, pude conhecer a Senhora Dona Maria Amélia que já executara, em baixo-relevo, as 14 estações da Via Sacra da nossa Capela e começara a esculpir as 12 imagens dos Padroeiros da Congregação, em pedra, e para uma Capela interior fizera também um baixo-relevo de barro pintado representando a Santíssima Trindade, segundo a visão de Tuy com as palavras: DEUS CARITAS EST. Os húngaros exilados ou refugiados no estrangeiro, especialmente aqueles que já no início do século XX encontraram nova pátria na América, para implorarem a libertação da Hungria do comunismo ateu, receberam em 16 de Julho de 1956 a aprovação do primeiro bispo de Fátima para erguer uma Via Sacra, segundo o costume nas cidades húngaras. A Via Sacra fora primeiro projectada em meio redor atrás da actual basílica mas como surgira, nos anos seguintes, a Via Sacra de azulejos da Colunata, com o consentimento do Senhor D. João Pereira Venâncio, transferimos a realização do projecto para o Caminho dos Pastorinhos onde actualmente se encontra. Acrescentou-se um projecto do Golgotha no cimo do Cabeço, para rematar as 14 estações da Via Sacra Húngara. Sendo o único sacerdote húngaro em Fátima, os meus compatriotas elegeram-me para dar andamento à construção e o Senhor Bispo aprovou ser eu o responsável da obra. Para a realização do projecto era necessário escolher uma artista para executar os 14 baixos relevos em pedra. Como já tinha contacto com a Senhora Maria Amélia e conhecia a beleza da sua arte, não tive qualquer hesitação em confiar-lhe a obra. No entanto, para a ajudar à sua concretização, dei-lhe o livro, da autoria de Brentano, intitulado: “A Paixão de Jesus Cristo segundo as visões de Ana Catarina Emmerich”; aliás o mesmo livro foi utilizado recentemente para o famoso filme de Mel Gibson sobre a Paixão de Cristo. Assim é evidente a ligação de Maria Amélia à Capela do Verbo Divino e à Via Sacra Húngara, em Fátima, a que nós nesta sessão solene queremos dar uma atenção de relevo. A sua estreia em Fátima foi, sem dúvida, com colocação das 14 estações na Via Sacra de granito em baixo-relevo, na Capela do Seminário do Verbo Divino e as 12 imagens de pedra representando os diversos Patronos da Congregação. Encontram-se em Fátima, hoje também, outras obras da sua autoria, tais como as Imagens de Nossa Senhora de Fátima e de Jesus Crucificado, na Capela das Irmãs da Apresentação, a de S. Domingo abraçado aos pés da Cruz com Cristo Crucificado na Capela das domini-canas e um baixo-relevo com 4 metros representando o Beato Nuno Álvares Pereira, na Casa de Beato Nuno. Os peregrinos de Fátima, que visitam os lugares ligados às aparições, podem admirar na Loca do Cabeço as imagens das três crianças com o anjo, nos Valinhos Nossa Senhora de Fátima e nas Colunatas do Santuário as figuras de mármore com 2,5 metros de altura, de Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz, Santo Inácio de Loyola, São Simão Stock, Santo Afonso Maria de Ligório, São Francisco de Salles e dentro da Basílica, São Domingos. Foi também Maria Amélia Carvalheira quem executou os baixos-relevos das 15 estações de pedra da Via Sacra Húngara, a última das quais quando já tinha 88 anos de idade! É também da sua autoria a imagem de mármore de Nossa Senhora, Padroeira da Hungria com a coroa de Santo Estêvão, no interior da Capela. Segundo a opinião dos bispos húngaros, ela é a representação mais bela até hoje feita, por isso a sua cópia executada em madeira pintada, percorreu, durante o ano de 2001, todas as dioceses da Hungria, ao celebrar o milésimo aniversário da fundação do país. “Peregrinar com as mãos” – intitula-se a exposição. Qualquer movimento, por mais simples que seja, e aqui o movimento dos dedos de Maria Amélia Carvalheira, requer um sistema complexo de comunicações corporais no qual intervêm o cérebro, os nervos e os músculos. Os receptores dos nervos transmitem o sinal para o cérebro que pela medula percorre o caminho até à placa motora que depois estimula o movimento muscular. Maria Amélia, ao sentir talento e aptidão para pintura e escultura, para ser uma escultora religiosa, aplicou também a sua religiosidade no grau mais elevado e foi justamente a sua religiosidade que deu às suas obras o carácter e a coroa, como foi outrora a devoção cristã que transformou montões de pedras em imagens e arquitectura de igrejas. As obras de Maria Amélia são produtos da sua alma, profundamente mergulhada em Deus, e continuam a movimentar também os peregrinos de Fátima para a proximidade de Deus; as obras que representam a Santíssima Virgem, os Anjos, os Santos e os caminhos da salvação. (…)Numa palavra: Maria Amélia Carvalhei-ra transmitiu para o mundo os seus ideais, com força de devoção, de culto e de adoração diante do Majestoso, que ela vivia no seu interior, e foi movida para isso, para o transmitir. “O pássaro não canta porque tem uma afirmação a fazer – dizia um dos grandes escritores do nosso tempo – mas porque quer expressar uma melodia”. Maria Amélia não fez obras de arte só para satisfazer encomendas, mas fez tudo para expressar o conteúdo da sua alma em louvor a Deus que é o Criador de todas as belezas, que tudo fez à Sua imagem, sendo Ele a Beleza Eterna. Pe. Luís Kondor

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